Para nunca mais..
Era o mesmo caminho de pedras, o lago de carpas estava vazio, restavam musgos e folhas secas, a casa estava caiada de amarelo, desbotada pelo tempo. Ela destravou a porta pesada, a fechadura havia enferrujado, com um empurrão, conseguiu abrir. O ambiente era o mesmo, a cortina de brocado estava opaca, empoeirada, os desenhos do tecido estavam debaixo do pó. Abriu as janelas que davam para o mar e uma brisa fresca inundou o ambiente. O tapete era o mesmo, estava perto da lareira coberto de folhas secas e poeira. Parecia sem força, encostou-se na parede fria e foi escorregando até o chão. Tinha saudade dele, deveria ter ido junto, pensou na pouca idade que tinha, na imaturidade, dificilmente daria certo. Nunca amou tanto. Não conseguia chorar. Contou as tulipas do lustre holandês, eram 25, estavam todas ali. Teve medo de tocar, não saberia limpar os desgastes do tempo. O cavalete jazia perto da janela, a paleta ainda guardava vestígios de tinta seca, a banqueta ganhara nova cor, mas estava melancolicamente descascada. Fechou os olhos e teve a impressão de que ele estava ao piano. As costas largas, o cabelo mesclado de branco, a tatuagem tribal na pele queimada do braço, o jeans puído. Imaginou o atelier se iluminando, um raio de sol atravessava o espaço jogando luz sobre a cama. O ar fresco da manhã revitalizava o ambiente, aos poucos, os móveis e as paredes tingidas ganhavam vida. Não chorava, lembrava da música que saía das mãos dele, tinha certeza que era Schumann. Cada vez que sentava ao piano, ele entrava em transe, depois, exausto, precisava dormir. Dormia no tapete, perto da lareira, dormia como um gato cansado até que ela o acordasse, depois, até o fim da noite se amavam. A música não saía dos ouvidos, estava nela, entrava pela pele, mas não conseguia chorar, jurou que seria a última vez que voltava ali. Ajeitou os livros espalhados e os objetos trazidos das viagens, não sentiu o andar das horas, quando se deu conta, já não havia sol. Não chorou. Cobriu o piano com a colcha peruana, encostou as janelas, olhou a cama de bronze pela última vez, tocou a torneira de latão do lavabo, esfregou a ferrugem da pia, mas em vão, a ferrugem estava para a pedra assim como ele estava nela, incrustado, na mesma intensidade, jamais sairia. Fechou a porta e não olhou para trás, não ousou.
O carro a esperava para o hotel, naquela noite não dormiu nem chorou.
Do alto vislumbrou a baía, o forte branco contrastando com o mar, o trapiche, precisava chorar. Pediu um café, nem abriu o livro que comprou no aeroporto. Copiosamente, chorou de saudade, até o destino. O livro do Neruda ficou sobre o assento, úmido.
Beijo a todos!