Ritinha
“Nunca levei um ponto”, dizia o menino sentado na calçada. Mas um outro exibia feliz seus três pontos embaixo do queixo, “Foi de uma queda”. Ritinha, era a única menina do grupo, e dizia, “Eu não tenho nenhuma, mas se quiser boto uma na tua cara”, era menina, mas era assim.
Na rua, um dos garotos tinha um crush nela. Na verdade mais de um menino tinha. Eram crianças, mas já tinham dessas coisas despertadas em si. Rita era tão menina que ainda nem percebia.
Marcelo era o amigo mais próximo, seu irmão Felipe também era próximo. Ritinha era assim, andava mais com meninos da rua que com as meninas. Não gostava daquelas brincadeiras. Queria mesmo era empinar pipa e se envolver em alguma outra brincadeira que envolvesse correr e jogar bola na cara dos outros.
Um dia, na casa dos irmãos, jogava videogame com Marcelo. Corrida de carros com Mário Bros. Depois de se abusar disse que ia embora. Chovia. Os meninos foram com ela pra rua e pra chuva. Corriam e brincavam de pega-pega. Escorregavam, se machucavam e se levantavam. Nessas escorregadas Marcelo tentou beijar lhe a boca. Por um impulso, ela lhe deu um tapa, Felipe a empurrou. Ritinha deu um soco em Felipe, os dois começaram a brigar. Marcelo foi separar, levou outro soco. “Sou mulher, mas pode bater em mim, fresco” dizia Ritinha, “tu vai é apanhar”. Felipe não disse nada, se levantou rangendo os dentes e partiu pra empurrar Ritinha, mas apenas conseguiu segurar-lhe os braços que vinham para um soco e ficaram ambos nessa briga de braços até que Marcelo derrubou o irmão e partiram para os arrochos e beliscões.
A chuva continuava forte. Ritinha se envolveu no meio dos dois, levou soco na cabeça, doía, mas ela se segurava. Caiu no chão sem saber como, e lá vinha Felipe puxar seus cabelos, mas ela numa velocidade implacável levantou-se e socou o garoto na boca, que soltou um palavrão, cuspindo sangue na mão e um pedaço de dente. Nocaute. Quê-ô.
Cada um voltou pra casa sem saber como. Ritinha muito ofegante e com dores, ganhou a briga. Mas algo lhe desagradava. Uma sensação estranha, um desconforto. Brigara por quem amara e com quem amara. Mas a quem amava mais? Em plena infância-pré-adolescência, ela não tinha muita consciência disso, mas sentia, descobria esse sentimento em si. Já não era mais criança.