Arabia Felix

Eu nunca havia entrado sozinho no bazar "Arabia Felix", em Southwark, não muito distante da estação do metrô de Kennington. Normalmente, eu estaria acompanhado da minha mãe, mas aos 12 anos, cheguei a conclusão de que deveria começar a explorar o mundo sozinho, e isso incluía andar no metrô (que só possuía seis estações), ir até o bazar, com suas lojas de roupas, brinquedos e novidades, e ali procurar um presente para Olivia. Olivia era minha prima, um ano mais velha do que eu, e uma das meninas mais bonitas que eu jamais vira em toda a minha vida. Quando eu disse isso para minha mãe, ela sorriu:

- Melhor não falar isso perto do seu tio, ele morre de ciúmes da filha...

Eu sabia que meu tio, irmão da minha mãe, era muito cioso de Olivia, e que muito provavelmente não a iria deixar namorar um primo pobre como eu. Teria que provar ser um pretendente a altura, mas como?

- Mamãe, será que o papai me deixa trabalhar com ele no escritório?

Meu pai era um funcionário modesto do Colonial Office, embora então eu não soubesse disso. O que sabia é que ele trabalhava para o governo de Sua Majestade, a rainha Vitória, num prédio imenso junto ao parque St. James.

- Quando você tiver idade e estudo suficientes, quem sabe ele consegue alguma coisa... mas por que essa súbita vontade de trabalhar, meu pequeno? - Indagou ela, curiosa.

- Se eu tiver um emprego, o tio Franklin poderia me deixar namorar a Olivia, não acha?

Minha mãe riu.

- Não acha que é muito cedo para pensar nisso, Wallace? E quem disse que Olivia está interessada em namorar você?

- Eu não me declarei ainda - retruquei com firmeza. - Ela me trata como se eu fosse o irmão caçula dela... mas não sou!

- Acho que ela gosta de você sim... - ponderou minha mãe. - Mas não desse jeito.

- E se eu comprar um presente de aniversário para ela? - Sugeri. - Alguma coisa muito, muito bonita? Será que ela se convenceria de que eu falo sério?

Minha mãe levou a mão ao queixo e inclinou a cabeça, me examinando de cima a baixo.

- Com que dinheiro faria isso, Wallace?

- Com a minha mesada, é claro, mãe!

- E o que pensa em comprar?

- Vou naquele mercado onde você me levou ano passado, quando inaguraram o metrô... o "Arabia Felix".

Minha mãe balançou a cabeça com admiração.

- Você já tinha tudo planejado, não é? Que menino danado!

Fez-me um monte de recomendações sobre andar no metrô, cuidado com o dinheiro - que eu enrolara num lenço - e, principalmente, com batedores de carteira. E lá fui eu, feliz da vida.

Circulei pelas aleias do bazar, entre quiosques que vendiam bugigangas vindas dos Estados Unidos, França e Alemanha, mas eu nao queria comprar brinquedos ou uma boneca para Olivia. Teria que ser algo que representasse as minhas intenções para com ela, que também já não era mais uma criança. Finalmente, ao passar em frente a um quiosque com acessórios para senhoras, vi exposto algo que me pareceu perfeito. Reuni toda a minha coragem e me aproximei do balcão. A atendente, uma garota simpática de cabelo castanho-escuro me recebeu com um sorriso.

- Olá! Procurando um presente para a mamãe?

- Eu... não... é para a minha prima, Olivia.

- E já sabe o que gostaria de comprar?

- Sim! - Exclamei satisfeito, apontando para uma pequena caixa azul real no mostruário, com inscrições em dourado.

- Ah, os seis lenços de linho bordados a mão... é um excelente presente! - Aprovou ela.

- Aqui está o dinheiro - pus o lenço com os meus xelins e pence sobre o balcão, mas ela não se movimentou para pegar.

- Algum problema? - Indaguei, preocupado.

- Você vai querer com a letra "O", bordada, eu imagino... e eu não tenho essa letra em estoque. "O" não sai muito... - admitiu.

Fiz uma careta. Será que deveria comprar outra coisa, perguntei-me. E então, me veio a resposta, clara como água.

- Mas você teria o lenço com um "P"?

- Tenho sim - respondeu ela, feliz.

Comprei os lenços.

Quando Olivia abriu meu presente de aniversário para ela, pareceu ficar satisfeita. Depois, franziu a testa:

- Wallace... a inicial nestes lenços é "P", não "O". Você comprou errado?

- Não, Olivia - retruquei. - "P" é do meu sobrenome... Pembroke... que ofereço a você.

E enquanto ela me olhava de olhos arregalados, acrescentei:

- Namora comigo?

- [22-06-2018]