A usurpadora
Em cima daquela motocicleta levávamos toda vontade de dominar o mundo.
Voávamos com o vento e a cada metro voado sentíamos como se tudo ali nos bastasse e tudo o que almejássemos seria possível no próximo metro.
Aprendemos a pintar aquarela indo para o litoral nos feriados e finais de semanas que fugíamos para o nosso mundo encantado, no sonho de não acabar jamais, iniciamos a pintura da tela mais bela e demorada, éramos os personagens, éramos a paisagem, éramos o clima e de mais nada necessitávamos.
Nossas nuvens eram de algodão, queríamos que a chuva que caísse sobre nos fosse leve e macia com nossa pele.
O chão era puro arco Iris, nunca nos machucávamos e todo ele era infinito.
O ar era saboroso, pois amávamos nos deliciar na gula.
Certo dia, em uma de nossas viagens, avistamos um general atravessar a pista de baixo da plena neblina, nossa motocicleta não teve freios e por cima dele e de nosso arco Iris passamos.
Como pode esse ser invadir nosso conto de fadas?
A raiva tomou conta de nossos corações e de repente nos olhávamos e não sabíamos mais quem éramos.
Meu pavor foi tamanho que olhei o céu e a chuva que caia nos cortava a pele.
O ar se tornou pó amargo que queimava nossas narinas.
O chão se converteu em chamas, nós e tudo nosso se foi.
A tela foi encontrada anos depois no ateliê de uma garota que jura de pés juntos, fui eu quem pintou.