O DIA EM QUE TE CONHECI

Abro meus olhos e os direciono para o relógio.

"Ainda é cedo" - penso.

Apesar do cansaço, levanto-me ainda meio cambaleante.

Enquanto caminho em direção ao banheiro, sinto um delicioso cheiro de café que vem da cozinha.

Tomo um banho e decido-me por dar uma volta.

Ao passar pela sala vejo que minha mãe está assistindo a um destes jornais que noticiam tragédias.

"Que péssimo hábito para se ter de manhã!" - murmuro.

Passo pela porta sem falar nada e logo sou questionado por minha mãe:

_ Onde você vai tão cedo?

_ Vou dar uma volta. - respondo de forma curta não conseguindo esconder minha falta de paciência.

Tenho pensado muito sobre a vida ultimamente e isso tem me deixado confuso.

Sinto como se eu estivesse preso dentro de mim.

Caminhar faz com que eu me sinta um pouco mais livre.

É como se a cada passo eu deixasse para trás uma pequena parte daquilo que me prende.

Sento de frente a um lago e observo as águas que serenamente mudam de direção de acordo com o vento.

Inertes, elas se deixam levar para qualquer lado que o vento sopre.

_ Que merda de dia! Você acredita que... - escuto uma voz dizendo.

Ao me virar, vejo que uma moça sentou-se do meu lado sem que eu percebesse.

Ela tem cabelos pretos, olhos castanhos e uma pinta próximo a seus lábios.

Como não prestei atenção no que ela disse em seguida, tentei ser simpático sorrindo.

_ Você tá rindo do quê? - replicou a garota.

Como não sabia o que dizer, fiquei em silêncio.

Passados alguns segundos, que pareceu-me ter durado anos, ouço-a dizer:

_ Desculpa tá?! É que hoje meu dia tá uma m... - parou por um instante e continuou:

_ Eu me chamo Clara, e você?

_ Eu não. - respondi tentando ser engraçado.

Pela careta que fez, suponho que ela não tenha gostado de minha pseudo-piada.

_ Eu me chamo Lucas! - digo tentando dar fim à lembrança de minha piada cretina.

_ Lucas, você é humorista?

_ Não.

_ Bom pra você. - Disse a garota tentando ser engraçada.

Ficamos em silêncio novamente.

Detesto quando estou conversando com alguém e o assunto acaba, é uma situação muito desconfortável.

Pensei em tentar puxar assunto falando do céu, da temperatura e até de política.

Mas como não estou a fim de um papo forçado pergunto de forma séria:

_ Clara, seu nome é Clara, certo?

A garota acena que sim meio ressabiada de que eu solte mais uma piada.

Porém, para seu engano, eu pergunto:

_ Você tem medo de morrer?

Com a sobrancelha meio levantada, um pouco assustada com a pergunta, Clara responde:

_ Só os idiotas têm medo de morrer! Sabe por quê?

_ Não... - balbucio com receio.

Seu rosto fica mais sério.

Clara se vira e diz com a certeza de quem tem conhecimento de causa:

_ Os idiotas que têm medo de morrer porque gastam toda sua energia de vida pensando em lucro, gestão, estratégia e ignoram a própria vida. Eles não perceberam que já estão mortos na ganância.

Um tanto espantado com o tom de Clara, retruco:

_ Para mim, isso é lutar pela sobrevivência.

_ Não mesmo! Isso é morrer ainda em vida. É negar a própria essência!

Quando tento argumentar, ela continua:

_ Eles gostam de falar bonito, fingem ser o que não são para serem aceitos.

Vivem como a água dessa Lagoa: não escolhem os caminhos que desejam seguir e são levados de um lado para o outro por ventos aparentemente fortes, mas que na verdade, não possuem força alguma.

Eles não percebem que são capazes que viver na contramão dos ventos da vida.

Para tentar aliviar um pouco o tom da conversa, pergunto:

_ Qual o seu sonho, Clara?

_ Ser bailarina! - Ela responde de imediato.

_ Você dança bem?

_ Muito!

_ Me mostra? - pergunto um tanto entusiasmado.

_ Não mesmo.

Sinto-me frustrado diante da negativa.

Por isso, decido por não responder.

_ Lucas, o que você quer ser?

_ Feliz! - respondo meio sem jeito.

Olhamos juntos fixamente para a lagoa, percebo que a água continua agindo como uma marionete manipulada pelo vento

e penso no que Clara havia dito.

De repente, em um tom mais brando, Clara me pergunta:

_ Você tem medo de morrer?

_ Tenho sim! A idéia de nunca mais existir me assusta! - respondo.

_ Desculpa ter te chamado de idiota então.

Clara continua:

_ Tenho a impressão de que você é inteligente. Você pode deixar um legado sabia?!

Quem sabe você não descobre a cura para o Câncer?

Ia ser suuuper legal!

Ou então você pode escrever uma novela mexicana!

É cafona, mas faz sucesso!

Você vai ficar famoso hein?! Disse-me empolgada e sorridente.

Fiquei imaginando uma novela mexicana escrita por mim e me dei conta de que seria muito bom ser famoso.

Começo a vagar em meus pensamentos quando sou cutucado por Clara que me oferece um pouco de chocolate.

Não gosto de doces, mas para ser gentil, aceito um pedaço.

_ Sou viciada em chocolates. Você é viciado em quê? - pergunta Clara.

_ Não tenho vícios. - respondo com orgulho.

_ Para né?! Todo mundo é viciado em alguma coisa.

Tem gente que é viciada em fazer nada.

_ Tá bem, eu vou te contar. Sou viciado em escrever bobagens! - falo em um tom meio cômico.

_ Então você escreve...

_Sendo assim, eu estava certa, você vai virar escritor de novela mexicana! - Disse-me Clara sorrindo.

Nesse momento percebo o quanto seu sorrido é bonito e cativante.

_ Me mostre algum texto seu? - me pede de um jeito que, não sei bem porque, mexe comigo.

_ Só se você dançar!

Clara se recusou a dançar para mim e insistiu que eu lhe mostrasse algum texto.

Confesso não ter conseguido resistir a seu lindo sorriso, por isso concordo em recitar um texto meu.

Começo a falar:

"Quando minha vida

sem sentido andava

me encontrei no seu olhar.

Seu sorriso estonteante

sem palavras me deixou.

E agora o que vou fazer,

se tudo o que faço é pensar em você?"

Clara acenou como quem esperasse por mais e disse:

_ Continua...

_ Já acabou. - respondi.

_ Ah não! Tá muito pequeno! Desse jeito sua novela não vai ser um sucesso! Nem sequer tem rimas! - Disse-me um tanto decepcionada.

_ Deixa pra lá! Você não entende... - lamentei.

Depois de mais alguns segundos de silência que novamente pareceram anos, Clara diz:

_ Foi mal a minha falta de jeito. Que dia você fez este poema? - perguntou daquele mesmo jeito que mexeu comigo antes.

_ Hoje.

_ Quando?

_ Agora. - respondi meio seco.

Um pouco vermelha, Clara ficou em silêncio. Estávamos novamente olhando para a Lagoa.

Dessa vez as águas não se movimentavam, o vento havia cessado.

Ao olhá-la novamente, percebi o quanto seu olhar me deixava maravilhado.

Algo queimava dentro de mim.

Quando me dei conta, estávamos nos beijando.

Não sei dizer quem beijou primeiro.

Só sei que naquele momento eu senti como se tivessem borboletas no meu estômago.

Eu me sentia o cara mais sortudo do mundo!

Depois do beijo, ficamos em silêncio novamente.

Clara tirou do bolso um papel e escreveu algo no verso.

Levantou-se em silêncio, entregou-me o escrito e foi embora sem dizer uma única palavra.

Ao olhar fixamente para aquele papel, meu sorriso se abriu.

Eu estava explodindo de felicidade.

"Que sortudo que eu sou" - pensava.

No verso do papel estava escrito:

"Adorei te conhecer.

No fim de semana, te espero para me ver dançar.

O endereço está no convite!

Beijos, Clara!"

Diego Dias
Enviado por Diego Dias em 13/06/2018
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