Seis meses depois

E quando chegou a sua vez de passar com a cesta de compras pelo caixa do supermercado, ela reconheceu a operadora. Na verdade, o reconhecimento foi mútuo.

- Cindy - ela disse, colocando a cesta sobre a esteira e estendendo a mão.

- Lembrou de mim? - Cindy sorriu e apertou a mão estendida.

- Quanto tempo faz? Seis meses? Lembrei de você, lá do Pink Lid... só que tinha esquecido o seu nome. Mas é pra isso que servem esses crachás, não é?

E apontou para a identificação no peito do uniforme da operadora.

- Segunda vez que nos vemos, e eu continuo de crachá - riu Cindy, enquanto pegava os itens da cesta e os passava por um leitor de código de barras.

- Não sabia que trabalhava aqui... nunca te vi no caixa antes.

- Comecei faz uma semana... primeiro emprego. E você? Mora aqui perto?

- Uns três quarteirões de distância. Tem uma caneta e um pedaço de papel?

Cindy passou-lhe o que fora solicitado e a cliente escreveu algo, devolvendo-lhe em seguida.

- Meu celular. E meu nome, caso tenha esquecido.

Cindy deu uma olhada rápida no papel antes de guardá-lo no bolso do uniforme.

- Marsha... - comentou, ao passar o último item pelo leitor. - Eu achei que era "Márcia", por isso não falei antes...

E olhando para a tela da registradora:

- Dinheiro ou cartão?

* * *

"Fique atenta para os sinais", dissera a pastora Amber Lee durante uma das palestras do Pink Lid. "O homem que está destinado a ser seu marido, irá lhe encontrar". Cindy olhou em direção à Theodore, um dos funcionários que almoçavam na cantina do supermercado aquele dia, e ficou pensando se poderia ser ele. Ted, como era mais conhecido, deveria ser uns dois anos mais velho do que ela, teria talvez uns 20 anos de idade; estava um pouco acima do peso, tinha temperamento afável, barba por fazer, cabelo preto cacheado, óculos com lentes retangulares. Falava baixo, era educado. Trabalhava no almoxarifado e estudava informática à noite. Pretendia fazer uma universidade, mas não ganhava ainda o suficiente para tanto.

Ao lado de Cindy, Rosália, uma outra caixa, com idade para ser sua mãe, acompanhou o olhar que a jovem dirigira ao rapaz, sentado duas mesas distante.

- Ted é um bom rapaz... - confidenciou baixinho Rosália. - Mas não é pra você.

- Nem estava pensando nisso... - ressabiou-se Cindy.

- Então, não pense - atalhou Rosália, mordendo o sanduíche.

Aquilo espicaçou a curiosidade da garota.

- Por quê?

- Ele tem um filho pequeno para sustentar.

Cindy engoliu em seco.

- É casado?

- Não. Engravidou a namorada, no colegial. Ela não aceitou abortar, muito menos entregar a criança para adoção. Eles não vivem mais juntos, mas ele teve que arranjar um emprego para poder sustentar o filho. Foi como veio trabalhar aqui.

- Jesus amado... - sussurrou Cindy.

- Tirando isso, sim, é um bom rapaz - concluiu Rosália. - Cristão, decente, a gerência confia nele. Provavelmente vai subir rápido na empresa.

- Talvez tenha tido que passar por isso para encontrar a pessoa certa... - ponderou Cindy, esperançosa.

Rosália a encarou, muito séria.

- Procure alguém que não tenha laços, menina. Você vai querer na sua vida um homem que já tem passado e um filho para cuidar?

Cindy repetiu mentalmente a pergunta. E não conseguiu chegar à uma conclusão.

* * *

- Posso te dar uma carona?

Cindy acabara de sair do vestiário feminino, casaco no braço, bolsa na mão. Ted estava ali, parado, como se estivesse vindo do vestiário masculino, mas ela sabia que ele viera por ela.

- Você não sabe onde eu moro - desconversou.

- Lexington 332 - ele abriu um sorriso.

Havia muitas maneiras pela qual ele poderia ter conseguido a informação, e ela pensou se deveria demonstrar irritação pela invasão de privacidade. Mas o sorriso do rapaz era contagiante. Sorriu de volta.

- Faz bicos como detetive? - Questionou.

- Só quando o assunto me interessa - respondeu ele, com uma franqueza que quase seria arrogante - numa outra pessoa.

- Certo... mas eu não sei onde você mora - ponderou ela. - Regra número 1 do bom carona: nunca desvie o motorista da sua rota.

- Moro nos Heights. Posso passar pela sua porta, não vai me tirar do meu caminho.

Muita coisa passou pela cabeça de Cindy naquele momento, principalmente que aquela carona lhe economizaria duas passagens de ônibus e cerca de uma hora perdida no trânsito. Ted era seu colega de trabalho, todos gostavam dele e parecia improvável que fosse tentar agarrá-la no caminho. Além disso, como seus turnos nem sempre coincidiam, era incerto que aquela oferta fosse se repetir muitas vezes durante a semana.

- Está bem, mas...

Rosália vinha saindo do vestiário, e Cindy a pegou pelo pulso.

- Rose, - disse, encarando a outra operadora bem nos olhos - vou pegar uma carona com o Ted.

Rosália apenas balançou a cabeça, ar resignado.

- Vaya con Dios.

* * *

A avó a recebeu com um abraço e um beijo no alto da cabeça, quando entrou em casa àquela tarde.

- Terceira vez que esse rapaz vem te trazer. Não está na hora de me apresentar?

Cindy devolveu-lhe um olhar encabulado.

- Não estou namorando, vó... a senhora seria a primeira a saber se eu estivesse.

- Parece que os jovens de hoje em dia não namoram mais - observou a velha senhora com uma piscadela marota.

- Nem ficando! - Apressou-se a esclarecer Cindy. - Ted é só um colega do trabalho!

- Ted... esse Ted é comprometido?

- Não, vó - foi a resposta cautelosa.

- Pois, mesmo que não pretenda namorar com ele, porque não o convida para entrar e comer um pedaço de bolo da próxima vez que vier lhe trazer... digamos, na semana que vem? - Sugeriu.

Cindy hesitou.

- Claro, você vai avisar que sua avó estará em casa - pontuou a senhora com o dedo em riste.

- Está bem, vó. - Rendeu-se Cindy.

* * *

E quando Cindy entrou no Jeep Wrangler 1995, vermelho, que Ted conservava carinhosamente (o carro tinha quase a mesma idade dela), ele espetou um pen drive no MP3 do carro e uma banda que ela não conhecia começou a tocar.

- Gosta? - Ele perguntou, enquanto saíam do estacionamento do supermercado.

- Acho que já ouvi esse som antes... - comentou ela. - Mas não lembro do nome dos caras...

- Boys Like Girls - ele anunciou com orgulho. - Esse é o segundo álbum deles.

- É bem... divertido.

A música era "She's Got a Boyfriend Now". Ela pegou-se cantarolando o refrão:

- "Wish that I could turn this car around

But she's got a boyfriend now"...

E, na terceira música, ele começou a cantar sozinho, sem desviar os olhos para ela nenhuma vez. Cindy começou a sentir um calor subir-lhe pelo corpo, e sabia que devia estar ridiculamente ruborizada.

Ted estava cantando "Two is Better Than One", com paixão. Menos a parte de Taylor Swift, que, intuiu, deveria ser para ela cantar. Respirou fundo. "O que eu faço agora?", perguntou-se.

Precisava de uma segunda opinião, decidiu-se, ao chegar em casa. Alguém que tivesse passado pelo Pink Lid, como ela. Alguém como...

Marsha?

[Continua em "Você não tem o direito"]

- [01-06-2018]