Conversas de um velho amor

Sentados em cadeiras de balanço, Seu Antônio e Dona Clara conversavam sobre muitas coisas. Aqueles balanços na varanda eram mais que um álbum de retratos, ou um diário, ou qualquer coisa para registro de dados; eram como um portal para as lembranças até mesmo proibidas à mente. Ali as horas passavam lentas como uma espera, mas as lembranças vinham mais rápidas que uma locomotiva.

- É, Tonho, hoje ninguém conhece uma Maria Fumaça...

- Axi, deixe de ser boba, Clara! A locomotiva está aqui – e pôs a mão no peito – dentro de nós.

- Mas só a velhitude carrega esse trem.

- Lógico! Hoje o pessoal tem tanta coisa que não sobra espaço nem pra aproveitar as pessoas que completarão a velhice.

- Lembra, Tonho – perguntou Dona Clara com um sorriso sob as lentes brilhosas dos óculos – o que a locomotiva é pra gente?

- Axi... E tem como esquecer eu caindo nas escadas em cima de você, minha velha?

- Ainda bem que eu estava lá, se não os seus dentes já teriam se acabado antes dos trinta e não aos cinquenta e sete.

Os risos preencheram a varanda enquanto os pares de olhos fitavam-se nos reflexos dos cabelos brancos.

- Aquela escada mudou minha vida, Tonho.

- Lógico que mudou. Aquele tombo te deu lordose... – Seu Antônio fechou o sorriso sarcástico e disse olhando por cima de suas lentes – E me deu você.

A emoção que se criou no canto dos olhos de Dona Clara era visível. Ela pôs uma das mãos sobre a mão de Seu Antônio e disse:

- Olha, meu Antônio, eu nunca pensei que fosse um dia gostar tanto de alguém.

- Sabe, Clara, eu queria ser um viajante. – Arrumou os óculos ao rosto, passou a mão pelo bigode a acertar os fios desgrenhados e continuou – Mas você me prendeu aqui.

- Ah, que vida boa cê me deu, Tonho – dizia Dona Clara apertando a mão de seu esposo – Olha, eu te amo tanto, Tonho, mas tanto que eu peço a Deus que me permita morrer antes de você. – E uma lágrima desceu pelos vales brancos do rosto de dona Clara.

- Sabe, Clara, eu também peço a Deus que te leve antes... – Dona Clara fechou-se em silêncio até que sua lágrima tocou o queixo. Seu Antônio prosseguiu – Porque lá onde eu estivesse, eu não conseguiria te ver sofre. – Antônio pôs sua mão por cima da mão de Clara e a fechou ao calor do amor que prometeu que sempre teria – Eu te amo tanto, Clara, que o que eu sinto me permitirá partir logo depois de você.

Crônicas de um Ignorante
Enviado por Crônicas de um Ignorante em 01/06/2018
Reeditado em 13/01/2019
Código do texto: T6352702
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