- SÓ SE VIVE UMA VEZ, CARA! – André incentivou o amigo enquanto enfiava um punhado de batatas rufles na boca seguido de um longo gole de Coca-Cola – É a sua última chance, se não for agora, não vai ser nunca e você vai se arrepender!

Lucas respirou fundo, estava prestes a fazer a coisa mais aterrorizante de toda a sua vida, e sabia que, por alguma razão estranhamente misteriosa, o amigo estava certo, aquela era sua última chance. Em todos os seus quatorze anos de idade nunca havia sentido tanto medo e tanta certeza ao mesmo tempo. Sabia que todas as probabilidades estavam contra ele, mas não queria ser apenas mais um covarde, tinha que arriscar!

- Tá certo! – disse mais para si mesmo do que para o amigo que ficaria ali assistindo de camarote.

O plano era simples. Apertaria a campainha e, caso não fosse ela mesma a atender a porta, pediria gentilmente para falar com Letícia, então quando ela aparecesse, leria para ela as palavras que havia escrito no pedaço de papel que ele apertava na mão que suava frio.

Há pouco mais de dois anos, ele e André, suados e sujos estavam na cozinha de sua casa depois de uma tarde jogando futebol, enquanto riam alto, Lucas tirou da geladeira uma garrafa de refrigerante gelado e os dois amigos beberam direto do bico. André deu um sonoro arroto no exato momento em que Marília, a irmã mais velha de Lucas, entrou na cozinha seguida de seu séquito de amigas. Enojada, Marília gritou pela mãe, acusando os dois meninos de serem porcos nojentos, enquanto as outras meninas repetiam a cara de nojo.

Letícia, a menina mais linda que ele já tinha visto, se aproximou de Lucas rindo, mas sem aparentar o asco que estava estampado na cara das outras e disse de maneira casual:

- Marília, deixa ele em paz – então lhe deu uma piscadela e remexeu seu cabelo – Isso é coisa de menino, não é garoto?

Lucas ficou estático enquanto as meninas saiam pela porta e André ria descontroladamente de sua cara de otário. Naquele momento, o garoto tímido e que até então nunca havia se interessado por meninas, descobriu um mundo novo e, desde então, cada vez que Letícia visitava sua casa, ele só conseguia prestar atenção naqueles olhos de cílios longos e naquele sorriso que parecia zombar do mundo todo. Com o tempo, Lucas passou a reparar em outros atributos de Letícia que era três anos mais velha. Perdia-se nas suas curvas daquele corpo esbelto e balanço de seus cabelos compridos. O cheio dela tinha o poder de leva-lo para outro mundo.

Podia ser loucura, mas ele tinha certeza de que ela para ele de forma diferente, era a única que parecia ver nele mais do que só um garoto, apesar de nunca o chamá-lo pelo nome. “E então, garoto?” era como ela falava e, cada vez que ela pronunciava aquelas palavras com seu jeito mistérios, Lucas acreditava ver algo mais naquele sorriso indecifrável.

Agora ele tinha 14 anos, sentia que não era mais apenas um garoto, mesmo para uma mulher como ela. Depois de lutar contra o medo e criar a coragem necessária para convidá-la para a festa de fim de ano da escola, soube que ela estava de partida, iria cursar a faculdade no o exterior.

Aquele era seu último dia na cidade. Aquela era a última chance de Lucas. Então ele tocou a campainha com as mãos trêmulas, o suor empapando a camiseta, o coração quase saindo pela boca.

- E então garoto? – a porta se abriu e lá estava ela. Ela estava linda. E ele travou, não conseguiu se lembrar de nenhuma palavra, apenas ficou ali admirando o belo sorriso, os olhos a boca.

Por alguns segundos continuou ali, parado, fazendo papel de idiota e sem dizer uma palavra sequer, até o som de buzinas trouxe ele de volta à Terra. Eram os amigos de Letícia que estavam ali para levá-la para a festa de despedida. Ela sorriu, mas seu sorriso tinha um toque de frustração, então remexeu seus cabelos e se despediu.

- Até mais Lucas – pela primeira vez ela o chamou pelo nome e, sem saber o que fazer, ele continuou ali pateticamente parado, observando ela se afastar sem olhar para trás, entrar no carro e trocar um selinho com o cara que dirigia.

Só então se lembrou que no pedaço de papel amassado na palma de sua mão, estavam os versos bobos e rimados que ele havia escrito para ela.
 
 
 
LUCAS sorriu enquanto testava o microfone, uma pequena multidão já tomava conta do bar. Fazia tempo que ele tinha deixado de ser um garoto introvertido e havia se tornado o vocalista de uma banda de rock que andava fazendo o maior sucesso nas festas da faculdade. O lugar estava cheio naquela noite, dava para sentir o clima de euforia no ar e tudo indicava que seria um ótimo show. Enquanto se preparava, Lucas sentia a excitação que tomava conta dele sempre que subia no palco para cantar, era como se aquele fosse o seu lugar no mundo. O guitarrista tocou os primeiros acordes e ele começou a cantar. Sua voz era forte e um pouco rouca e ele sabia muito bem como encantar espacialmente as garotas, e enquanto a banda reveza músicas conhecidas com composições que falavam de amores que nunca davam certo, o público ia à loucura.

De repente, em meio à multidão, um olhar chamou sua atenção e ele teve certeza de que reconhecia aquele sorriso, quatro anos haviam se passado, mas ele não tinha se esquecido. Tinha certeza de que era ela. Seu coração parou por alguns segundos, então ela retribuiu o sorriso e cantou com ainda mais entusiasmo. Terminada a última canção preparada para a noite, ele deu sinal para os músicos pedindo que tocassem mais uma, aquela música não estava no repertório, mas eles já haviam ensaiado antes, era sua música preferida, uma das mais tocadas nas rádios.

Lucas sabia que o tempo já tinha acabado, mas não se importou, ninguém iria censurá-lo naquela noite. A canção que falava sobre o amor de um garoto por uma menina de olhos e sorriso lindo agradou ao público que insistiu por bis. Lucas atendeu aos pedidos e enquanto cantava a canção pela segunda vez, procurou pela garota em meio à multidão que cantava em coro, mas ela não estava mais lá. Será que já tinha ido embora?

Encerrado o show, ele se livrou o mais rápido que pôde das fãs que queriam lhe dar um abraço, um beijo ou algo mais, e correu em busca da garota. Procurou-a por toda parte sem encontrá-la. Desanimado, caminhou para os fundos do bar já vazio de mau humor. Os outros membros da banda iriam para uma festa numa das repúblicas do campus, mas ele tinha perdido todo o entusiasmo. Esperou que todos saíssem dando desculpas esfarrapadas a seus amigos que não entendiam o que havia acontecido até que ficou sozinho. Guardou seu equipamento com calma sem conseguir parar de pensar naquele olhar e, antes de ir para casa, parou no bar para tomar alguma coisa.
- Hei Lucas, não sei se te interessa, mas uma das suas fãs deixou um bilhete, pediu pra eu te entregar – disse o barman enquanto servia a bebida.

Lucas pegou o guardanapo de papel sem muita vontade e o abriu. Nele, com uma letra despojada, estava anotado um número de telefone e, um pouco abaixo, a pergunta “E então, garoto?”.
Fefa Rodrigues
Enviado por Fefa Rodrigues em 21/05/2018
Reeditado em 07/08/2020
Código do texto: T6343016
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