...E aquela blusa que você usava
Num canto qualquer tranquila esperava.
—Roberto Carlos—


 
Era dezenove de abril.
Champanhes estouraram. Balões  subiram decorando o teto com diversas cores. “À saúde dos noivos!”  Tilintaram as taças em sintonia com um coro de vozes.  “Viva os noooivos...”

O jantar foi servido, sem que houvesse tempo para muita conversa.

— Os nubentes estão cansados — disse alguém em tom zombeteiro.
— Cansados de quê?
— De esperar que os convivas se retirem.

Houve uma explosão de riso, seguido de pisadas de vultos que se retiravam.

Os noivos ficaram  sós e o que se passou entre quatro paredes, nem as paredes devem saber.

 No dia seguinte...


— Larga essa vassoura, Morgana... Morgan... Morguinha...
— Comerás o pão com o suor do teu próprio rosto.
— Posso te ajudar?
— Só temos uma vassoura. Recolha as bexigas e as garrafas. Ponha os cristais na pia...
— Deixa que eu arraste os móveis. São pesados demais.
— Lá em casa, sempre carreguei o piano.

Robert  lembrou-se do piano de cauda da casa dos Castros. Mas com certeza, Morgana falava mesmo era do trabalho difícil, principalmente, depois da morte dos pais dela.

— Dê cá essa vassoura!  Posso não ter me casado com uma bruxa, mas me acho enfeitiçado por ela.
— Para Bob! Não me faça rir. Se eu perder o controle, acabo fazendo xixi nos lenções.

Robert riu contagiando a companheira, ela tanto riu e chorou. E o riso trouxe uma torrente de água salgada a escorrer no rosto... (e nas pernas).

— Eu avisei. Agora, com licença. Preciso trocar os lenções de cama.

Morgana assumiu um semblante sério.

— Prometeste não narrar no livro nossa  lua-de-mel. Vai manter a palavra, não vai?
— Claro. Vou falar só da lua de xixi.

O quarto explodiu em gargalhada e os lenções tiveram, novamente, que serem  trocados.

Abriu as janelas
 A brisa  suave da noite veio acariciar  a pele macia da semideusa deitada a fio comprido sobre lençóis macios. Lá fora,  as águas batiam  forte nas pedras artificialmente colocadas, para conter a ressaca do mar. E a lua empenhava-se em mostrar a brancura das ondas desfeitas quebradas nas pedras.

Era  noite do segundo dia.
— Este jornal que lês é de ontem. Penso que podemos fazer algo melhor, disse Morgana, com ar de riso.

 Robert   estendeu a mão para desligar o abajur.

— Oh, não!... Tenho medo do escuro.
— Logo virá a aurora dissipar teus medos.
—  Será Por que os medos se ocultam à luz do dia, e nos atormentam, assustadores na escuridão?
— Para explicar os medos noturnos é preciso que estabeleçamos um paralelo entre sonho e pesadelo.

Morgana ficou curiosa.

— Podes explicar isso, sem tomar valioso tempo de nosso sono?

Pesadelo é a explosão de problemas reprimidos, que se manifestam em sonhos aflitivos. Quem nasceu no campo, sonha com boi querendo chifrá-lo. Quem mora na cidade, sonha com assalto. Isto é reflexo de seus medos que  se transformam em pesadelo. Já o sonho tem um leque muito vasto de significados. Existem até vendedores de sonhos.

— Falavas sério. Agora, gracejas. Que estória é esta de vender sonhos?
— Quem escreve livros. Vende sonhos.

Robert   quebrou a concentração de Morgana, com uma gargalhada.

— Por que riste?
— Lembrei-me de um verbete de Machado.
— Qual?
— ‘O sonho coincidiu com a realidade, e as mesmas bocas uniram-se na imaginação e fora dela. ’

Morgana que estava muito interessada em desvendar os mistérios do sonho e do pesadelo. Levou um susto. E assim que pôde falar, disse carinhosamente: “ Safadinho! Quase me sufocou com teus beijos.”

 — Gostei do ‘safadinho’! Na variante linguística carioca, safadinho pode  significar menino travesso. E fazer travessuras é muito bom!
— Não me fale em Rio de Janeiro, me dá medo de bala perdida!
— Durmamos de mãos dadas, a aurora não tarda chegar.
 
***
Adalbeto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."
Imagem: olhares.sapo.pt.

Leia também:


 O Primeiro Beijo

 III Ilha do Amor

Arco do cupido


 Nuvens passageiras 

 
 Um sorriso e uma lágrima   

 - ILHA DO MEDO      

 PEGADAS NA AREIA