Nostalgias
Foi a luz no rosto dela. Aquele brilho amarelo que a deixou na penumbra enquanto ela se mantinha estirada no banco do passageiro, com a cabeça levemente tombada para a direita. Deu a ele matéria de pensamento. Não trocaram uma palavra sequer ao longo do caminho. Nenhum resmungo, nada de risadas e o olhar deles não se encontrou. Já era bastante tarde e havia uma sonolência pairando no ar, uma que parecia ter marcado presença de maneira bem pensada, exatamente para deixar o clima daquele modo. Ele dirigia. Ela tentava cochilar. Ele se permitiu um breve olhar para ela, apenas para conferir que continuava ali. Ela não percebeu daquela vez. E o carro foi sacudindo rua depois de rua rumando o lugar onde uma pequena história dos dois havia começado meses antes. Foi a luz no rosto dela que causou nele um arrepio. Era inesperado. As mãos dele tremeram. O tipo do arrepio já fora quase esquecido inclusive, mas ali aconteceu outra vez. Um tremor daquele tipo que vem cá de dentro chacoalhando os nervos e causando um desconforto muito parecido com o de um calafrio. Ele tremeu de corpo e alma quando a olhou e imediatamente voltou os olhos para a rua, para o que importava, que era não bater o carro e sair vivo da presença dela. Questionou-se por um momento. Mudou a marcha. O carro seguiu com um leve solavanco que fez a garota se mexer incomodada. Estava naquele estado em que não estava realmente dormindo: ela tentava e ficava nervosa porque o mundo a incomodava em meio a tentativa. E ele fazia parte do mundo naquele momento. Reduziu a velocidade. Passou sobre um buraco com cautela e seguiu pela rua. Mais um olhar. A sensação da sequência foi uma espécie de nostalgia. Foi uma lembrança que emergiu do fundo do mar dos pensamentos abandonados e pousou diante dos olhos dele. Um movimento de lábios. Um sorriso guiado. Um olhar cúmplice. Ele agitou a cabeça dispersando aquela rebelião. Levantou armas para conter os pensamentos e manteve-se assim, em guarda, pois era o máximo que conseguiria fazer. Os pensamentos não cabiam mais em suas celas. Chegaram ao destino. Vou me fazer um cidadão decente, falou. Desceu do carro e abriu a porta para ela. A luz amarela da rua a pintou. Era linda. O abraço foi nostálgico. A distância, aterradora. Eles sorriram. Não se falariam mais naquela noite. Era assim que acontecia. O portão foi fechado, ele voltou para o carro, deu partida, hesitou. Meses antes, depois de um beijo, um pedaço dele tinha descido com ela, ali, naquela mesma rua, naquele mesmo lugar. Até então, ele alimentara a certeza de que tal pedaço retornara para casa. Saiu com o carro. Seus pensamentos eram um único grande bloco. Suas mãos ainda tremiam de leve como se tivessem tocado as dela. Dia depois de dia, sem comentarem a respeito e até sem notarem, cada um apenas seguia sua estrada, embora pelo retrovisor, o rapaz achou ter visto de novo aquele pedaço seu, ali ainda, apenas sentado na calçada.