O sol se punha.
Era a hora de tomarem a rodovia Rio—Petrópolis para mais uma jornada de trabalho no sítio de Alice. Confabulando com suas lembranças, Ravenala recordava-se de um passado não muito distante, quando há alguns anos, convidara Robert para escreverem um livro a duas mãos, e para introduzir o convite, comunicara, inicialmente, a morte de Ramayana, uma antiga colega dos tempos de Marista. Só depois, o convidou a participar do lançamento do livro de Alice Nassif.
Quanto tempo! Quanta história!
Ela reviveu todas as cenas dos diversos encontros para enxugamento da obra, tanto na casa dela, quanto na casa de Robert, e especialmente, no sítio.
Ligou para Robert: “Hoje não teremos ‘sarau’ no sítio de Alice. Nem em casa... Perdemos o livro.”
Robert ouvia os soluços dela, entrecortados de dor, e sentia doer-lhe também o coração. Afinal, foram muitos anos de longa jornada de trabalho juntos.
— Pelo visto, a amiga precisa dos serviços de um encanador. Há um rompimento no canal da graça, e todo teu rosto deve estar banhado de orvalho.
— É muito grave.
— Jogaste outro capítulo na lixeira?
— Se estivesse na lixeira, seria fácil recuperar. Já consultei um técnico. Quando se recorta e salva, todo o texto recortado, desaparece. Exala. Não há tábua de salvação. Perdemos o livro.
— O vento levou sua estrela.
— Não me faças rir: O vento soprou a estrela.
— Tens uma personagem que é capaz...
— Capaz de regurgitar tudo que leu e ouviu. Temo que ela também tenha sido levada pelo vento.
Naquela semana, eles tinham concluído o enxugamento de toda a obra. E após a saída de Robert, Ravenala trabalhou até tarde ou dormiu cedo da madrugada e, sob o impulso da inspiração, escreveu, acrescentou, excluiu... Apagou o livro, sem querer.
— Fale mais alto, a ligação não está boa.
— Acordei quando ainda estava escuro e me pus a conversar com os personagens, como se a vida real fosse uma ficção que se escreve em livros. Rolei a tela do computador, à procura do sorriso perdido. Nada! Nada encontrei, a não ser alguns fragmentos de Sete faces... Estrada sem fim, e outros títulos anteriormente dados à obra, repletos de textos inacabados.
— Confira a lixeira!
— Há um arquivo salvo com o nome: ‘Livro em construção, acrescido dos dizeres: ‘não presta’. Examinei cuidadosamente o achado. Não prestava mesmo.
Calou-se por aproximadamente meio minuto e em seguida, se refez.
— Consegui juntar alguns recortes da grande colcha de retalhos. Perdemos apenas vinte páginas.
Mas...
Se fossem 20 páginas em bloco isolado, o prejuízo seria diminuto. São vinte páginas de frases salpicadas em todo o corpo do livro. Isso significa muito.
— Podes escrever um livro a partir de um fiapo de conversa.
— Verdade. Nunca perco as lembranças de uma tarde de domingo.
Tudo está guardado no livro da vida que oferece os mais belos espetáculos, algumas pessoas, no entanto, perdem as melhores cenas lamentando fracassos. Não experimentam a força que vem do fraternal abraço, e a doce meiguice de uma criança no colo da mãe. Ainda que não contemplemos os mimos de Deus nas coisas criadas, as cores sorriem na flor que desabrocha. Até o simples caminhar na rua tem cores, se houver bom propósito no caminhar.
Convém que ora silenciemos, ora interrompamos o silêncio com questionamentos: o quê, por quê, e para quê. Menos porquês, e mais para quê.
Robert preocupou-se. Estaria Ravenala ficando louca. Ela não disse coisa com coisa.
— Talvez tenhamos perdido o livro ou parte dele, para que das cinzas ressurgisse nova construção.
— É. Talvez...
E mudaram bruscamente de assunto com a mesma facilidade com que se vira a página de um livro.
— Deste entrada na documentação para compor o Edital de Proclamas?
— Sim. E até consegui reduzir o prazo para divulgação do edital. O frei Gaspar nos conhece desde os tempos do Marista. Se não te aborrece, preciso desligar o telefone. Estou em baixo astral.
— Não somos governados pelos astros.
— Para Bob. Dizer que estou sem graça é pior. Quem está sem graça, é desgraçado.
— Cruz, credo!
— Amanhã não nos veremos. Preciso provar o vestido e tomar outras providências.
— Faltam só dois dias...
— Não conte os dias, conte as horas. Elas passam mais depressa.
— Quarenta e oito horas é muito tempo. Parece maior que dois dias.
— Passe a metade do tempo dormindo. Dormindo, trabalhando...
— Pedi minhas férias para amanhã.
— Nem me fale em amanhã. Vou ter que negociar dilação de horário com Chanana na loja de informática e no Colégio Integral. E o pior. Sem dizer o porquê.
Ela fizera o jogo do contente para conviver com o fato de ter nascido em primeiro de abril. Mas... casar em primeiro de abril? Bem, é melhor que em 13 de agosto ou dia de finados.
Era a hora de tomarem a rodovia Rio—Petrópolis para mais uma jornada de trabalho no sítio de Alice. Confabulando com suas lembranças, Ravenala recordava-se de um passado não muito distante, quando há alguns anos, convidara Robert para escreverem um livro a duas mãos, e para introduzir o convite, comunicara, inicialmente, a morte de Ramayana, uma antiga colega dos tempos de Marista. Só depois, o convidou a participar do lançamento do livro de Alice Nassif.
Quanto tempo! Quanta história!
Ela reviveu todas as cenas dos diversos encontros para enxugamento da obra, tanto na casa dela, quanto na casa de Robert, e especialmente, no sítio.
Ligou para Robert: “Hoje não teremos ‘sarau’ no sítio de Alice. Nem em casa... Perdemos o livro.”
Robert ouvia os soluços dela, entrecortados de dor, e sentia doer-lhe também o coração. Afinal, foram muitos anos de longa jornada de trabalho juntos.
— Pelo visto, a amiga precisa dos serviços de um encanador. Há um rompimento no canal da graça, e todo teu rosto deve estar banhado de orvalho.
— É muito grave.
— Jogaste outro capítulo na lixeira?
— Se estivesse na lixeira, seria fácil recuperar. Já consultei um técnico. Quando se recorta e salva, todo o texto recortado, desaparece. Exala. Não há tábua de salvação. Perdemos o livro.
— O vento levou sua estrela.
— Não me faças rir: O vento soprou a estrela.
— Tens uma personagem que é capaz...
— Capaz de regurgitar tudo que leu e ouviu. Temo que ela também tenha sido levada pelo vento.
Naquela semana, eles tinham concluído o enxugamento de toda a obra. E após a saída de Robert, Ravenala trabalhou até tarde ou dormiu cedo da madrugada e, sob o impulso da inspiração, escreveu, acrescentou, excluiu... Apagou o livro, sem querer.
— Fale mais alto, a ligação não está boa.
— Acordei quando ainda estava escuro e me pus a conversar com os personagens, como se a vida real fosse uma ficção que se escreve em livros. Rolei a tela do computador, à procura do sorriso perdido. Nada! Nada encontrei, a não ser alguns fragmentos de Sete faces... Estrada sem fim, e outros títulos anteriormente dados à obra, repletos de textos inacabados.
— Confira a lixeira!
— Há um arquivo salvo com o nome: ‘Livro em construção, acrescido dos dizeres: ‘não presta’. Examinei cuidadosamente o achado. Não prestava mesmo.
Calou-se por aproximadamente meio minuto e em seguida, se refez.
— Consegui juntar alguns recortes da grande colcha de retalhos. Perdemos apenas vinte páginas.
Mas...
Se fossem 20 páginas em bloco isolado, o prejuízo seria diminuto. São vinte páginas de frases salpicadas em todo o corpo do livro. Isso significa muito.
— Podes escrever um livro a partir de um fiapo de conversa.
— Verdade. Nunca perco as lembranças de uma tarde de domingo.
Tudo está guardado no livro da vida que oferece os mais belos espetáculos, algumas pessoas, no entanto, perdem as melhores cenas lamentando fracassos. Não experimentam a força que vem do fraternal abraço, e a doce meiguice de uma criança no colo da mãe. Ainda que não contemplemos os mimos de Deus nas coisas criadas, as cores sorriem na flor que desabrocha. Até o simples caminhar na rua tem cores, se houver bom propósito no caminhar.
Convém que ora silenciemos, ora interrompamos o silêncio com questionamentos: o quê, por quê, e para quê. Menos porquês, e mais para quê.
Robert preocupou-se. Estaria Ravenala ficando louca. Ela não disse coisa com coisa.
— Talvez tenhamos perdido o livro ou parte dele, para que das cinzas ressurgisse nova construção.
— É. Talvez...
E mudaram bruscamente de assunto com a mesma facilidade com que se vira a página de um livro.
— Deste entrada na documentação para compor o Edital de Proclamas?
— Sim. E até consegui reduzir o prazo para divulgação do edital. O frei Gaspar nos conhece desde os tempos do Marista. Se não te aborrece, preciso desligar o telefone. Estou em baixo astral.
— Não somos governados pelos astros.
— Para Bob. Dizer que estou sem graça é pior. Quem está sem graça, é desgraçado.
— Cruz, credo!
— Amanhã não nos veremos. Preciso provar o vestido e tomar outras providências.
— Faltam só dois dias...
— Não conte os dias, conte as horas. Elas passam mais depressa.
— Quarenta e oito horas é muito tempo. Parece maior que dois dias.
— Passe a metade do tempo dormindo. Dormindo, trabalhando...
— Pedi minhas férias para amanhã.
— Nem me fale em amanhã. Vou ter que negociar dilação de horário com Chanana na loja de informática e no Colégio Integral. E o pior. Sem dizer o porquê.
Ela fizera o jogo do contente para conviver com o fato de ter nascido em primeiro de abril. Mas... casar em primeiro de abril? Bem, é melhor que em 13 de agosto ou dia de finados.