O Vizinho. Parte II
Já fazia tempo que pensava nela, em como deveria abordá-la ao sair do prédio, ou como trocar o nosso primeiro "Oi" nos corredores. Qualquer ideia de como me aproximar seria bem vinda, pois estava decidido a de uma vez por todas, pelo menos desta vez, lutar por um amor.
Como não sou tão corajoso, resolvi me declarar, porém, não de cara. Passei a fazer isso por meio de cartas. Era uma forma romântica e bem ao meu estilo. Fui escrevendo aos poucos tudo aquilo que sentia. Foram umas 10 cartas, preparando seu coração para que um dia eu tivesse coragem de me apresentar como seu admirador apaixonado. Na época eu não tinha tempo para entregar as cartas, pois quando chegava do meu curso, ela já estava em casa. Foi quando tive a ideia de enviar meu bom amigo, o Júlio, ele mora aqui ao lado e sabia de meus sentimentos por ela. Ele aceitou entregar as cartas, não diretamente para ela, pois éramos muito amigos e sempre estávamos juntos. Ele não poderia entregar em suas mãos para que ela não ligasse os pontos ou fizesse perguntas. Então, ele teve a sublime ideia de deixar por baixo de sua porta. Assim, não haveria muita exposição, e também, alimentaria o meu anonimato. Lembro que fiquei empolgado com a ideia. Fiz vários poemas, diversas declarações de amor, falava de tudo que gostava nela e de como me sentia em sua presença. Às vezes escrevia umas três vezes a mesma carta. Coisa de apaixonado...
Certo dia, eu resolvi que deveria ter essa emoção em levar uma última carta até a minha musa. É que nela eu finalmente tive coragem de marcar um encontro. Sei que eu não a veria pessoalmente agora, queria apenas não me sentir tão covarde e passar pela experiência jamais vivida. Me arrumei todo naquela tarde, fiz a barba e até cortei o cabelo, usei um perfume antigo que estava esquecido em minha gaveta, afinal eu poderia esbarrar com ela no corredor, ou na entrada do prédio, ou no elevador... não importa o local, eu tinha que estar preparado para a possibilidade de vê-la. Nesse dia eu não disse nada ao meu amigo Júlio, acho que ele não se sentia muito bem com aquilo, então resolvi que iria tomar essa iniciativa por conta própria. Fiz um belo cartão onde dizia:
"Escrever-lhe me conecta cada vez mais a ti, sinto-me mais confiante, sabe? E por isso resolvi que não posso ficar nem mais um dia sem falar contigo pessoalmente. Se quiser saber quem sou, me encontre amanhã às 17h, na praça que fica do outro lado da rua. Você irá me reconhecer quando me ver, irá identificar rapidamente minha cara de timidez e insegurança. Espero que isso não lhe assuste. Entenderei se não tiver interesse, pois nunca ouvi a sua opinião sobre as cartas e o fato de ter alguém lhe observando secretamente. Até mais! Tomara!"
Sabe, não sei bem o motivo, porém quando você vai fazer algo em segredo, sempre aparece alguém para atrapalhar. Exatamente no momento em que chego em seu corredor, alguém sai do elevador e me olha fixamente, meio desconfiado por eu estar ali sem jeito, mas pouco importa eles, estava a alguns minutos de tomar a decisão que poderia mudar a minha vida. Bom, pouco importa? Não! Na verdade tive que dar meia volta umas três vezes, e em outras duas eu tive que fingir que estava esperando o elevador, e pior que tive de entrar nele, descer até a portaria e voltar novamente. Demorou muito até conseguir subir sozinho no elevador. Quando assim aconteceu, as portas se abriram e, eu não imaginava, o elevador ficava praticamente frente ao apartamento dela, foi então que a vi, parada na porta, abraçada e beijando o Júlio. O Júlio? Sim, o Júlio...
De forma quase que intuitiva, eu acho que sei o que houve. De repente eu lembro que ele sempre se sentiu meio incomodado em levar as cartas, também sempre me dizia que eu deveria esquecê-la. Como não vi o que se passava na minha cara? Ele a amava! E usou dos meus poemas para conquistá-la, se passando por mim. Minha vontade era de ir lá e ... Nada! Eu nem mesmo tinha coragem de falar com ela, como poderia brigar por seu amor? E ao ver aquela cena, percebi que ele já havia conseguido o que eu levei tanto tempo para fracassar.
Dei meia volta, subi os andares sem nada em mente, mas em meu rosto, era evidente a imagem da derrota. Cheguei em casa, joguei o cartão no lixo, fechei as cortinas, liguei o rádio na estação mais romântica possível e fiquei na cama. Assim se encerrou meu grande dia.