O Vizinho. Parte I
Todo final de tarde, quando chegava em casa, encontrava um bilhete que haviam colocado por baixo da porta. No começo achei que era brincadeira, coisa de moleque. Mas depois fui me interessando pelos escritos daquele estranho. Cada dia um poema diferente, uma mensagem, uma declaração, um pensamento... Letra de forma. Letra desenhada. Caprichava! Eu adorava. Imagino que seja canhoto, não sei por quê. Ele nunca assinava. Mas era gostoso chegar em casa e ler algo novo direcionado a mim, todos os dias. Tanto que quando estava a caminho de casa, já ficava imaginando o que encontraria. Com que palavras carinhosas aquele meu admirador secreto me surpreenderia. “Será que um dia ele vai se revelar”? Pensava.
Ficava imaginando os possíveis “autores” daquele jogo: seria o Júlio, do andar de baixo? Ele é um tanto novo para mim, e muito tímido também; e não tem cara de poeta. Poeta tem cara? Ah, que dilema! Seria o Zecão, o viúvo do andar de cima? Ele é um tanto velho para mim, mas bem descarado. Seria o Pedro, meu vizinho do lado? Não...não podia ser. Ele havia separado recentemente. Seria o Álisson, vizinho do Júlio? Esse é mais tímido que o Júlio. Ele está solteiro, e é lindo! Na verdade torcia para que fosse ele, o Álisson.
Quando saía bem cedo para trabalhar, encontrava quase todos os vizinhos do prédio. Todos simpáticos e alegres. E eu com uma dúvida imensa: “quem será o meu admirador secreto”? Tentava ligar, de alguma forma, suas personalidades à escrita dos bilhetes que eu recebia.
Mas ontem, tive um imprevisto e precisei voltar mais cedo do trabalho. Abri a porta e não havia nenhum bilhete. Até senti uma sensação estranha. Pensei que tivesse sido esquecida. Olhei no relógio e ainda eram 17: 45. Eu costumo chegar em casa 18:15, mais ou menos, ou seja, ele ainda não estivera ali fazendo a “entrega”. Resolvi ficar ali atrás da porta esperando. Quando visse o papel sendo empurrado por baixo da porta, abriria e veria a face do meu admirador. Não seria falta de respeito? Ele poderia ficar sem jeito. Desisti do flagrante, mas fiquei ali, sentada na porta olhando para baixo, na expectativa. Como deu 18:00 horas, e nada aconteceu, levantei e fui cuidar da minha vida. Fui fazer um café e percebi que precisava comprar açúcar. Peguei a bolsa, calcei o tênis e, quando abro a porta quase nem acredito no que vejo: bem a minha frente, com um papel na mão e a me olhar espantado está o meu vizinho, do andar de baixo.
Olhos nos meu olhos, as mãos tremendo, e gaguejando sem parar.
- “Bo bo bo a tarde! E e e eu... eu... eu...”
E eu também nervosa, tentei ajudar:
- “Tudo bem? Você precisa de alguma coisa?”
- “Açúcar!” Ele foi enfático.
Se ele tivesse falado café, arroz, feijão... qualquer outra coisa, a conversa poderia se prolongar com mais espontaneidade, mas AÇÚCAR?! Aquela desculpinha milenar para puxar assunto com vizinhos interessantes não estava dando certo para a gente. E se eu disser que não tenho açúcar, vou parecer grossa? Eu não sabia o que dizer.
- “Olha só... eu estava saindo agorinha mesmo para comprar.. açúcar! Mas se você quiser, posso te arrumar adoçante” Me saí bem.
- “Po pode ser”. Ele respondeu de imediato.
- “Bem... entre”. Tentei ser gentil.
Eu podia estar com meu admirador secreto ali, sentado no sofá da sala. Não podia simplesmente entregar o adoçante, que eu sabia que ele nem precisava, e deixá-lo ir embora. Eu tinha que pelo menos descobrir se realmente era ele. Não dava para acreditar! O Júlio? Não! Não podia ser.
Tentei puxar assunto enquanto fingia que procurava o adoçante:
- “E aí, como vão as coisas? Tudo certinho”? Eu sabia pouco sobre ele. Sabia que trabalhava num Hotel porque sempre o via com o uniforme. Morávamos próximos, mas nunca tínhamos conversado uma conversa mais longa que um “Bom dia” ou um “Olá, tudo bem? Como vai?” “Que calor hoje né?”, “Será que vai chover?”, quando pegávamos o elevador juntos. Ele descia um andar antes que eu, e sempre se despedia com educação e simpatia. Até aí tudo bem, mas ser um admirador secreto apaixonado era muita surpresa!
- “Como está o trabalho lá no hotel?” Improvisei.
- “Ah, está muito bom. Os clientes são bacanas”. Foi o que me respondeu.
- “De repente lembrei que tenho adoçante lá em casa. Não precisa mais”. Me disse isso com as bochechas pegando fogo!
Eu não consegui dizer nada.
Se levantou e agradeceu. Abri a porta e falei que poderia voltar, caso precisasse de alguma coisa.
Fechei a porta e no sofá estava um pedaço de papel, que meu admirador esquecera quando saiu afobado. Arregalei os olhos. Corri lá para ler. Dizia assim: “Não aguento mais. Vou deixar minha timidez de lado e te chamar para sair”. Eu boquiaberta, não consegui segurar uma pequena gargalhada. A campainha tocou. Fui atender e... era ele!
- “E eee ee e eu esqueci...”
- “Esqueceu isso?”, perguntei mostrando o papel.
Seus olhos brilharam. Ele abaixou a cabeça, envergonhado, respirou fundo e voltou a olhar-me. Eu sorri. Ele correspondeu. Se aproximou devagar e me olhando nos olhos, tascou-me um beijo que me fez voar! Fechei os olhos instintivamente e correspondi àquele beijo inesperado. Eu quase não tive escolha. Ele me abraçou e senti seu coração. Parecia que ia explodir! Por que o meu não estava assim? No fundo, no fundo, meu coração não queria que fosse ele o meu admirador secreto. No fundo, no fundo, meu coração batia em outra direção. Tinha esperança de que fosse o Álisson.
De repente interrompi aquele beijo e o afastei com a mão. Ele estava eufórico, ainda com os olhos fechados. Foi abrindo os olhos lentamente e tentou se desculpar. Eu já nem estava prestando atenção ao que ele falava, pois bem em frente ao elevador estava o Álisson parado, assustado, como se estivesse olhando para um fantasma! Ele parecia com ódio, decepcionado. Eu tentava explicar ao Júlio que estava tudo bem, enquanto via o Álisson entrando no elevador novamente. A porta fechou. Fiquei intrigada. Por que o Álisson havia ficado daquele jeito? Eu ia perguntar ao Júlio, mas ele nem o viu, pois estava de costas. Decidi aceitar seu convite para sair, mesmo sem estar muito empolgada. Ele parecia não acreditar.