MEMÓRIAS ÍNTIMAS DE JP
João Porcada, trabalhador braçal, 59 anos, solteiro, fumante e devotado apreciador de bebidas alcoólicas. Fuma um pacote de fumo trevo por dia. Faz os cigarros embrulhados em páginas de matutinos. Utiliza o caderno de imóveis, política, cultura ou qualquer outro caderno. Tem o costume de dizer que o seu pulmão é estudado. Anuncia isso às gargalhadas e tosse.
Além desse saudável hábito, João inebria-se etilicamente todo santo dia. Ultimamente bebe somente três cervejas e três ou quatro pingas, afirmando que é bom moderar. O que posso fazer senão concordar! Antes comprava um garrafão de cinco litros de cachaça, como item para sua dispensa semanal. É verdade que sempre aparecem cúmplices.
Mas caro leitor, pensou você que João é ócio. Engana-se. Bate enxada quatro dias por semana. O que ganha diz que é suficiente para pagar luz, água, pinga e fumo. Não ambiciona quase nada, além disto.
Exceto o seu clamor por uma fêmea. Nilza, esse nome mexe com os seus miolos. Nunca teve outra mulher além de Nilzinha. Vinte anos mais nova que ele, vive a explorá-lo e meter-lhe chifres. João não liga, ao menos aparentemente. Desde que ela lhe dê uma mísera porção de um afeto rude, mas afeto. João já se gabou muito por “possuir” namorada nova.
Em tempos mais remotos foi assíduo frequentador de um bar, chamado Redondo, povoado por personagens marginalizados, lá só João tinha mulher.
Mas para contratempo de João, Nilzinha é dada a muita caridade e várias vezes o abandona no bar às tantas da noite e vai dar assistência erótico-afetiva a muitos dos seus amigos.
Amigos!
João muitas vezes ficou a chorar pelo abandono e os chifres que Nilzinha lhe retribui. Sofre, mas ela é dona daquele miocárdio , por isso abusa, pisoteia este animal risonho, homem simples que é João. Atualmente quase não fala, grunhe. Sofreu um pequeno derrame que lhe afetou a voz.
Não faz planos para tempos futuros.
De tempos em tempos, Nilzinha reaparece, faz-lhe, segundo afirma, um oral sex, João se derrete , perde o juízo, abandona qualquer resquício de razão.Esquece qualquer evento triste que tenha vivido com ela.Ela pede e ele paga iogurte, biscoitos recheados, dá-lhe roupas e cervejas. Para ele este é o verdadeiro jardim das delícias.
João sofre por amor, mas esquece. Quantas vezes me queixou abandono. Mesmo assim muitas vezes me disse que casaria com ela, mas Nilzinha faz pouco caso de João. Ela é estrábica, com dentes maltratados e cabelo ensebado. Aos olhos amorosos de João, ela é puro sex appeal.
Nilza de tempos em tempos reaparece e dana-lhe a sugar. Ele fica desorientado. Para João, a melhor mulher do mundo está ali, naquele quarto sujo ao “seu dispor”. Parece pouco, porque é raro, mas para ele aquilo é a fusão do paraíso com a eternidade.
Só sei dele contar. Torço para que seja verdade. Alegro-me com seus risos altos, felizes e clarinetados ao falar da sua aventura. Emite grunhidos, do que foi ou teria sido um momento de conjunção carnal com Nilzinha. Para João o que vale é a urgência do presente.
Escola, redes sociais, carros, conta bancária; nada disto mobiliza a sua alma. Não sabe e não faz questão de saber. Pra que?Nunca lhe fez falta.
O que ele sente falta é de uma mulher. Por isso Nilzinha representa sempre uma ilusão prestes a consumir a saudade testosterônica de João.
Cleber Bispo/ Abril de 2012