A Dama das Dálias

Simone Bouchard concordou em receber-me para o chá, na segunda-feira, após passar o fim-de-semana com algum cliente endinheirado. Fui recebido em sua mansão em La Villette, Solène, por uma criada negra que depois descobri ser da Martinica. A criada lançou-me um olhar crítico ao ver que eu viera de fiacre, e não em minha própria carruagem; também ergueu uma sobrancelha para o buquê de dálias que eu trouxera.

- Amável criatura, vim ter com sua patroa - anunciei-me sorridente, estendendo-lhe meu cartão de visitas.

- Monsieur Pierre Lenôtre? Madame já irá recebê-lo - respondeu ela, indicando-me que entrasse.

A mansão era um casarão do século XVIII, que provavelmente servira de residência rural para algum nobre, decapitado durante a Revolução Francesa. Sofrera uma restauração recente, o que era um bom indicador das finanças de Madame. A criada recolheu minha cartola, bengala e sobretudo, e me deixou numa antessala pintada de verde, tapete persa. Pouco depois, por uma porta lateral, entrou a "cocotte" em pessoa, vestida com um exótico quimono vermelho de seda chinesa decorado com dragões dourados. Ela era mais baixa do que eu julgara ao vê-la no Théâtre Italien; cerca de 1,60 m de altura, cabelo louro-castanho penteado numa longa trança que lhe caía sobre o ombro esquerdo, amarrada com uma fita de seda vermelha, rosto oval, traços delicados. Concedeu-me um sorriso, que pareceu mais dirigido às dálias que eu trouxera do que propriamente a mim.

- Madame Bouchard? - Ergui-me e fiz-lhe uma vênia.

Ela estendeu-me a mão, dedos longos, unhas rosadas, perfume de jasmim. Inclinei-me e rocei meus lábios nela.

- Monsieur Lenôtre. Estou encantada em vê-lo - afirmou. - E também com sua escolha de cores.

Apontou para o buquê de dálias.

- Ah, sim... dálias vermelhas e amarelas para traduzir a felicidade que sinto em estar na sua presença! - Declarei.

Estendi-lhe as flores, que ela levou ao nariz e aspirou profundamente, antes de indicar-me a porta por onde viera.

- Venha, por favor. Solêne já deve ter posto a mesa do chá.

Acompanhei-a para a sala ao lado, igualmente pintada de verde, onde, efetivamente, um magnífico serviço de chá de porcelana inglesa havia sido colocado sobre uma mesinha redonda, coberta por uma toalha de linho branco. Ao redor da mesa, duas cadeiras estofadas estilo Luis XV. Madame sentou-se de costas para a janela, que dava para um jardim interno, e indicou-me o lugar oposto.

- Como prefere o seu chá? - Indagou, pegando o bule de prata.

- Dois torrões de açúcar - informei.

A porcelana era Derby, avaliei, ao pegar em minha xícara e provar o chá. Indiano, muito provavelmente.

- Falemos de negócios - disse-me ela então, segurando a xícara com o dedo mindinho levantado.

- Madame Bouchard... preciso de sua companhia na estreia de uma ópera no Théâtre-Lyrique, na próxima quarta-feira. Isto certamente atrairá a atenção da imprensa para o compositor que estou patrocinando...

A "cocotte" lançou-me um olhar curioso.

- Apenas a minha presença, Monsieur? Oh, sim... imagino que despertaremos atenções ao entrarmos juntos no Théâtre-Lyrique. Por 100 francos, posso lhe reservar três horas na próxima quarta-feira.

E pegando um financier em uma travessa próxima:

- E por mais 100 francos, posso aceitar seu convite para jantar após a ópera. E até mesmo para conhecer a sua coleção de borboletas raras do Ceilão.

Duzentos francos por uma noitada com Simone Bouchard?

- Como adivinhou que eu tenho uma coleção de borboletas raras do Ceilão? - Respondi, sorrindo.

- [18-04-2018]