1037-ROMANCE MODERNO

Empurrando para cima a aba larga do chapéu tipo country americano, o homem alto acercou-se do balcão da portaria do hotel modernoso em Araçatuba e disse, com voz calma e forte:

— A conta, por favor.

— Pois não, senhor. Já está nos deixando?

A atendente cordial abriu-se num sorriso exibindo dentes de anúncio de televisão. Parecia impressionada com a elegância do vaqueiro, que trajava roupa típica de quem lida com rebanhos.

— Sim, respondeu ele. Já acertei meus negócios, estou de volta pro meu sertão.

— Eis aqui. — Diz ela, sempre sorrindo. — Viagem longa?

— Nada, Apenas uns 480 quilômetros.

Enquanto ele apresentou o cartão de crédito ela se mostrva curiosa.

— Avião?

— Não. Rodovia. Pela rodovia. É um pulo, já estou acostumado.

— Crédito ou Débito?

— Crédito, por favor.

Hummm — pensou a moça — que elegância! E que educação! Deixa muito cliente internacional no chinelo.

Finalizada a operação, ela recomendou:

— Boa Viagem. Não se esqueça de levar uns trocados para os pedágios.

Exibindo um sorriso amplo no rosto moreno, queimado pela lida diária de um fazendeiro, colocando o cartão na carteira, estendeu a mão á jovem, que aperta firme, sem exagerar.

— AH! Sim, os pedágios. Muito obrigado pela lembrança.

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Ouvindo uma boa musica da dupla Leandro e Leonardo, Jordão Guimarães dirigindo sua Land Rover Discovery com pericia e sem pressa, pela rodovia de Araçatuba a campo Grande.

Aproximando-se do primeiro pedágio, retirou uma nota de vinte reais do estojo de trocados e estendeu para a cobradora.

Ao levantar os olhos, levou um susto. Ou melhor, ficou deliciosamente surpreso com os da moça. Depois, o rosto, emoldurado por cabelos longos, negros, ondulados, entendendo-se por sobre os ombros e chegando até os seios.

Homem de decisões rápidas e poucas palavras, olhou diretamente nos olhos da jovem ao receber o troco e disse rapidamente (após verificar que não há veículo atrás) :

—Casa comigo, moça? Moro em Campo Grande, Tenho 34 anos e sou solteiro, sem compromisso com moça nenhuma. Ah. Meu nome é Jordão.

Ela se assustou.

— Tá de brincadeira comigo, senhor? Anda, vai prá frente que atrás vem gente...

Não conseguiu deixar de achar graça na brincadeira e exibe um belo sorriso.

— Me dá seu endereço que te procuro mais tarde.

— Não, não posso. Estou trabalhando..

— Fala só que hora você para de trabalhar. Só Isso. Fico esperando.

Pensando ser mais uma brincadeira, fala espontaneamente:

— Fico aqui até às quatro horas.

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Jordão seguiu em frente e virou á esquerda, na primeira entrada que dava acesso á pequena cidade onde provavelmente a moça residiria. No centro, estacionou à frente de um hotel, de aparência modesta, onde fez uma reserva.

— Por favor, — Disse ao recepcionista, entregando-lhe as chaves do carro — mande estacionar no pátio do hotel.

Subiu ao terceiro andar com agilidade, pulando de dois em dois degraus. Abriu a porta, tirou o chapéu e jogou-se na cama. A lembrança da moça do pedágio atiçavam seus pensamentos.

“Que linda! Parece até uma artista de novelas... Sim, parece-se com a Juliana Paes. Nem vi seu nome no crachá, que descuido. Mas vou esperá-la sair do serviço e convencê-la a ir comigo. Nunca vi uma morena assim tão linda.”

Adormeceu, acordou algumas horas mais tarde com a barriga roncando de fome. Desceu, dirigiu-se a um restaurante e pediu um churrasco. Almoçou devagar. Pensando nela, a morena cobradora do pedágio.

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Quatro horas da tarde. Ou dezesseis horas, para os urbanóides. Mudança de turno dos cobradores do pedágio. Mariana fechou o vidro do guichê, e saiu, dando lugar à próxima cobradora.

Nas dependências para as funcionárias, trocou o uniforme e rapidamente se lavou, arrumando o cabelo.

“Devo me apressar, pois o motorista da van não gosta de esperar.”

Mariana viu a van que fazia o transporte dos funcionários entre a cidade e a praça de pedágio, de um berrante amarelo canário. Atrás estava um carro branco. Uma “tracker”. O motorista da van conversava animadamente com um homem alto que usava chapéu do tipo country americano marrom bem claro.

“Pombas, é o cara de hoje cedo! Tá me esperando!!”

Prosseguiu, entretanto, em seu passo firme e elegante, pensando:

“Bom, nada de mais. Cumprimento ele, entro na van e fim de papo.”

Mas não foi assim que aconteceu.

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Jordão deixou de conversa com o motorista da van e se dirigiu para Mariana, a fim de conversar com ela longe dos demais passageiros da van.

Na meia dúzia de passadas ele pode obervar a elegância dela: esbelta, porte médio, o corpo ondulava-se em suave e sedutor requebro, ao som dos passos decididos.

Encontraram-se no meio do estacionamento.

—Oi, boa tarde, srta....?!

—Olá, boa tarde. Me chamo Mariana.

—Então, está lembrado de mim? Do meu pedido?

Mariana quis porém não conseguiu mostrar um ar de aborrecimento ou enfado. Disse:

— Vamos sair deste sol, que está me queimando.

Ele pegou delicadamente no seu cotovelo e ambos se dirigiram para a sombra de uma árvore, à margem do pátio de asfalto, que literalmente vibrava com o forte calor.

Foi ela quem abriu a conversa:

— Olha, não posso me demorar, vou tomar aquela van, que já está de saída.

— Não se preocupe, eu a levo onde desejar ir.

— O que o senhor quer?

— Casar com você.

—Hã? Como é?

— Sim, já te pedi em casamento esta manhã, não se lembra de mim?

“Que cara insistente. Nem me conhece, nem nada” — Pensou Mariana, ajeitando uma mecha de cabelo que insistia em cobrir-lhe ao vista direita.

Jordão continuou:

—Sim. Amor à primeira vista. Me apaixonei por você naquele momento.

—Francamente! Olha, não dá prá ser. O senhor não me conhece nem eu conheço o senhor. Deixe-me ir...

— Peço só mais um minuto. Olha, Meu nome é Jordão Guimarães. Moro em Campo Grande. Sou criador de gado. Tenho seis fazendas por lá, com 1.400 bois de engorda e 100 vacas leiteiras.

Enfiando rapidamente a mão no bolso, tirou um cartão de visitas, todo escrito no verso e deu à Mariana.

— Aqui está meu endereço e telefone. Atrás tem os números de telefone e os telefones de mais seis pessoas que a senhorita pode telefonar e se informar a meu respeito.

Ela pegou o cartão mais por delicadeza e saiu em direção à van, na qual todos os passageiros já tinham entrado.

— Amanhã de manhã, passo aqui de novo e vou levá-la pra minha fazenda.

Ela correu com elegância até a van. Ao entrar, dirigiu o olhar para Jordão, que a observava com um sorriso largo no rosto queimado de sol.

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Mariana rolava na cama sem conseguir dormir.

Desejava que tudo fosse uma brincadeira ou um mal entendido. Porém, se a razão ilhe dizia assim, o coração já falava outra coisa. E batia mais forte quando pensava no vaqueiro e de sua proposta sem pé nem cabeça.

Ao chegar em casa, naquela tarde, olhara atentamente para o cartão, lera uma porção de vezes o impresso. Além do nome de Jordão Guimarães e de dois telefones (fixo e celular) só tinha o nome da cidade, Campo Grande estado de Mato Grosso do Sul.

Pensou em telefonar para o celular e dizer ao tal de Jordão que não mais a aborrecesse. “De nada vai adiantar, o cara já mostrou que é teimoso, amanhã vai lá no pedágio me importunar de novo.”

Pensou em faltar ao serviço no dia seguinte. “Besteira, não vou alterar minha vida por causa de um boiadeiro qualquer”.

Pensou também em telefonar para os números que ele rabiscara no verso do cartão.

“Que idiotice! Qualquer pessoa que atender num desses números só vai falar bem dele.”

E pensou na sua vida, nas longas horas de insônia. Talvez esta fosse a oportunidade que tinha para lhe recompensar a vida sofrida da qual conseguira sair para cair na chatice do emprego como cobradora no pedágio da rodovia.

As lembranças desfilaram como numa parada de sofrimento.

Do pai, pescador nas margens do rio Pirapora não se lembrava, e pouco da mãe, que morrera quando Mariana tinha apenas cinco anos. Criada por uma tia, não teve carinho nem educação. A tia descarregava nela a raiva que tinha da irmã, mãe de Mariana.

Desde cedo, aprendera que tinha de trabalhar para a tia, se quisesse comida, roupa e abrigo. Catava lenha para a tia nos arredores da cidade de Pirapora, tão logo chegava da escola. Depois, em mocinha, era uma tarefa depois da outra. Mas conseguira entrar numa escola noturna e arranjar um emprego modesto, que dava pra sustentar as duas.

À medida que o tempo passava e a tia envelhecia, com suas rabugices e doenças, maiores eram as exigências da velhota:

—Num te criei? Se num fosse eu, tu nem tava viva, Agora, tem de me cuidar.

A tia não viveu muito: morreu quando Mariana tinha 24 anos, há quatro anos.

Sem um pingo de apego à vida miserável que ia levando, arranjou uma malinha, colocou suas poucas roupas e pediu carona para o velho Neco, camioneiro que ia constantemente a S. Paulo, levando e trazendo carga. Na viagem que os dois viajaram juntos, Neco ia para Araçatuba, e foi naquela cidade que ela ficara.

Pouco dinheiro, mas uma beleza de chamar atenção, simples e corajosa, não cedeu às tentações que a cidade lhe fez. Conseguiu um emprego, depois outro e acabou sendo empregada como cobradora do pedágio, onde o vaqueiro apareceu.

No dia seguinte, levantou-se com muita preguiça, ainda sem saber se acreditava ou não, se era verdade ou não, naquela proposta do fazendeiro, vaqueiro, boiadeiro, ou um aventureiro.

Enquanto tomava café na cozinha da pensão onde residia, mastigava o pão e com ele as ideias embaralhadas.

Ao voltar o quarto e se vestir para o trabalho achou que tanto podia ser uma verdade maravilhosa como um golpe de um ricaço malandro.

“E se fosse verdadeiro? E se ele fosse realmente um fazendeiro rico querendo encontrar a mulher dos seus sonhos? Talvez fosse aquela a oportunidade por toda sua vida chata e monótona?"

Empolgada por esses pensamentos, pegou sua malinha já surrada e colocou rapidamente dentro dela algumas poucas roupas e o que era necessário para uma saída de alguns poucos dias.

Saiu sem dizer nada a ninguém da pensão. Poderia ser uma aventura ou não e preferia deixar a coisa em segredo.

Quando chegou ao trabalho, ninguém notou que ela estava usando um batom mais vermelho nem que uma ansiedade marcava seu lindo rosto. Passou muitas horas de expectativa, prestando atenção no tráfego e no troco, não fosse ela fazer alguma bobagem de dar o troco errado.

Lá pelas quatro da tarde, movimento pouco, viu o carro de Jordão se aproximar. O coração disparou.

Quando chegou a vez de pagar o pedágio, ele estendeu uma nota e perguntou:

— Então moça, cadê minha resposta?

Num ato de extrema coragem, ao mesmo tempo em que devolvia o troco, disse:

— Passa e me espera.

Fechando rapidamente a pequena janela de vidro, com a palavra “FECHADO”, ela saiu da cabine, correu para além da cancela por onde Jordão a esperava, ali mesmo, na pista.

Passou correndo à frente da Land Rover, abriu a porta direita, jogou a maleta no banco de trás, sentou-se, puxou o cinto de segurança e enquanto o travava, disse:

— Toca, vaqueiro, vamos embora!

Ouvindo o buzinaço dos outros veículos que estavam na fila do pedágio, o carro de Jordão disparou, levando os dois enamorados na direção de um futuro de felicidade.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 24 de janeiro de 2018

Conto # 1037 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 09/04/2018
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