Foi por medo de avião
Que eu segurei
Pela primeira vez a tua mão
— Belchior—
 
 
 
Fechou o livro de Bach.
Destacara-se como um dos melhores cadetes,  mas, naquele momento, temeu. A aeronave tremeu, e despencou quase um quilômetro. Fernão tinha conhecimentos técnicos de navegação aérea, teoria de voo aerodinâmico e medidas de  segurança a serem usados em momentos críticos. Fora preparado para tomar decisões acertadas em situação de emergência, e naquela hora, não pôde  evitar que uma constipação o apanhasse subitamente.  Não sabia se era emoção por aproximar-se o momento de ter em mãos o seu brevê, ou de estar no mesmo voo com Nathalie .
Calma, Fernão — disse-lhe a voz interior — Em situações de emergência é preciso ter calma. Fazer da forma mais segura tudo que tem que ser feito.

Ele compreendeu. E dirigiu-se ao toalete. No corredor da aeronave, seus olhos se depararam com imagens dos tempos de colégio.
— André, é você?
— Sou André Albuquerque.
— Não te lembras de mim? Fomos colegas no Joaquim Nabuco em Recife.
— Gaivota! Quanto tempo!...Não te importas mais com este apelido, não é mesmo?
— Claro que não! Até tenho muita saudade do colegial. Recordo-me de estar pronto para te dar um soco, quando, suavemente, me deste uma tapinha nas costas... ‘Brincadeirinha, amigo!’
— Lembro perfeitamente, disse André.
— Pois é. A maturidade zomba do tolo. E já não se tem mais tempo para dar atenção a tolices. Apelidos nem sempre são pejorativos. Eu muito gostaria de ser uma gaivota. Ter asas para voar e não me ver na condição de viajar enlatado num  metal que voa. Mas como não temos asas; voamos em placas rebitadas que podem ser desprendidos pelo vento.
— Assim você me assusta.
 Ouviu-se uma explosão que não era de riso. E alguém gritou:
—Vamos estourar!
— Coisa passageira — disse outro.

Desfeito o susto,  Sivory permanecia segurando a mão de irmã Paola. Ela disse  com maciez de voz: pode soltar. A turbulência passou.

Limitado como cavalgadura adornada com antolho, o jogador do Saint-Etienne manteve-se em silêncio e não soltou a mão da freira.
— A vocação para a vida eterna é sobrenatural, e alcança casados, viúvos, solteiros, velhos e jovens. Não tenho permissão ainda para abandonar o hábito.

***
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."