A Presilha

Mariana, filha única, moça tímida, de olhos claros, contrastando com seus cabelos negros e encaracolados, morava numa fazenda do interior, na cidade de Sacramento, onde seu pai, João Camilo, era administrador. A fazenda pertencia ao senhor Joaquim Damasceno, um fazendeiro bem sucedido daquela redondeza. Dona Alcinda, mãe de Mariana, uma jovem senhora de largo sorriso, cuidava com esmero dos afazeres domésticos.

Naquele lugar, era tudo muito tranquilo, sem praticamente nenhuma novidade. Uma rotina que muitas vezes entristecia Mariana, já que mesmo tendo nascido naquela fazenda, estudado ali mesmo, ela tinha sonhos típicos das garotas da sua idade. Mariana tinha dezoito anos e desejava conhecer lugares diferentes, fazer amizades, viver novas aventuras.

Uma notícia agitou a cidade de Sacramento e ainda mais a fazenda do Coronel Damasceno, como era conhecido o senhor Joaquim naquela região. Seu único filho, Quinzinho, estava para voltar da Europa, depois de ter estudado por doze anos nas melhores escolas e universidades do velho continente. Partira da fazenda antes de completar treze anos de idade, em meio à grande comoção, principalmente de sua mãe, a senhora Isabel, conhecida como Sinhá Isabel, e também dos empregados da fazenda, que tanto gostavam dele. Agora ele volta no alto de seus vinte e quatro anos, instruído, formado e diplomado.

- Que notícia boa é essa que nos chega, Coroné?! Quinzinho tá voltando pra gente? -Perguntavam ansiosos os empregados da fazenda na expectativa da resposta. Mas o Coronel Damasceno, de estalo respondia:

- Quinzinho não! Dotô Quinzinho!

Se remexia um tipo de orgulho tácito no Coronel Damasceno nesse singelo ato de corrigir a fala de seus empregados e conhecidos e tal sentimento não provinha somente das titularidades alcançadas pelo Doutor Joaquim Damasceno Neto, ou Dotô Quinzinho. Era sim, algo vindo de uma sensação inexplicável de segurança interior que não se ligava a qualquer nostalgia experimentada ao longo de mais de uma década de separação.

- Minha Nossa Senhora, cubra com o seu manto sagrado e derrame graças sobre o nosso filho, Pai! - dizia dona Isabel ao senhor Damasceno, apertando a pequena imagenzinha da virgem contra o seio, segurando as lágrimas.

- Amém! – respondia o velho – Esse menino já foi abençoado, mas a maió bença ainda vai chegá . Com fé im Deus!

O orgulho do Coronel não crescia das raízes do passado, mas era sim um fruto do futuro já saboreado por ele que durante os estudos de Quinzinho se ocupou meticulosamente em usar as palavras certas, com as pessoas certas para o momento certo que era a grande chegada do Dotô Quinzinho. Enquanto Dona Isabel planejava matar a saudade atormentadora que sentia do filho, preparando um banquete com os pratos preferidos dele. O pai já havia preparado os convidados ao longo dos últimos anos, prometendo apresentar o seu filho doutor, às figuras mais proeminentes da cidade de Sacramento.

Havia um alvoroço na cidade, nas conversas entre as pessoas, na rotina da fazenda do Coronel Damasceno e o maior rebuliço ocorria na imaginação de todos. Em alguns mais, em outros menos, mas de algum modo, todos se sentiam diferentes com a notícia da chegada do Doutor Joaquim Neto.

Mariana não estava alheia ao astral da cidade, nem às especulações gastas nas conversas entre os empregados, e muito menos aos seus afazeres rotineiros na fazenda. Apesar de atenta ao movimento de fora, o pensamento sobre uma figura praticamente estrangeira retornando para seu espaço de convivência, tornava sua imaginação mais desperta e inquieta naqueles dias. Podia se dizer que o maior abalo da cidade ocorria no jovem coração de Mariana e que este lhe subtraiu o sono durante a noite que antecedeu o acontecimento.

O dia não poderia ter nascido mais taciturno. Nuvens carregadas que envolviam o mundo em grossos pingos de chuva, trouxeram um esquisito pressentimento ao coração de Mariana. Todos na casa ocupavam-se de organizar as coisas da melhor maneira possível. Nada poderia ser esquecido. Desde a compota de pêssegos, sobremesa preferida de Quinzinho, até os travesseiros recheados com penas de ganso, únicos capazes de evitar alguma crise de rinite alérgica.

Todos, sem exceção, postaram-se junto a varanda que circundava a casa, quando o carro que havia ido à estação, surgiu na estrada principal que dava acesso a fazenda.

-O Quinzinho deve di tá um moço lindo. - dizia Quitéria, uma das criadas mais antigas da casa.

-Mas cum certeza vai chegá de nariz impinado, só porque agora é dotô - respondeu o velho Tibério, marido de Quitéria.

O carro deu a costumeira volta para que os ocupantes pudessem descer exatamente na porta de entrada, mas para surpresa de todos apenas o Coronel desceu do veículo. Bateu as botas na escada de pedra e diante dos olhares surpresos de todos disse:

-Ele num tava no trem! Num sei o qui pode tê acuntecido. Já passei um telegrama pra capitá pidindo informação.

Olhou para a esposa que já esboçava um ar de desespero e disse:

-Carma Mulé ! Num conte cum o ovo enquanto tá no fiofó da galinha. Já tomei minhas pruvidênça. O que tô precisando agora é di um bão banho. Quitéria! providenceia um licor de Jenipapo, assim que eu tivé pronto.

-Podi deixá Coroné.

Mariana assistia a tudo de braços dados com a mãe. Esta lançou-lhe um olhar de esperança, apertou firmemente sua mão e entrou na casa junto aos outros empregados. Mariana ficou ali, olhando o horizonte ainda acinzentado pelas nuvens. Voltou-se para a porta de entrada, mas sentiu uma sensação estranha e virou-se novamente para a estrada. Um relâmpago riscou o céu tal qual uma assinatura, emitindo um clarão que iluminou a estrada e ela percebeu um vulto ou alguma coisa muito longe se aproximando. Não era um carro nem um trator e fazia um barulho que ela não conhecia. Ao passo que o ruído aumentava, todos corriam para a porta. Ficaram espantados quando uma motocicleta desconhecida, toda ornada com tintas coloridas e reluzentes e letras garrafais em língua estranha, parou junto ao pátio e dela desceu um belo rapaz, na casa de seus vinte e quatro anos. Ergueu o capacete e os óculos e olhando para todos exclamou.

-Senhores! Vocês estão olhando para o primeiro piloto de corridas de motos da história desta cidade.

Dona Isabel desmaiou amparada pelas empregadas. O Coronel teve uma crise de tosse. Todos os empregados completamente mudos. Só Mariana olhava aquela bela figura.

“O cavaleiro que tinha vindo lhe buscar”, Mariana falou para si mesma, absorta em seus pensamentos.

Vale ressaltar que a confusão foi grande, olhares de espanto, falas que se misturavam, parecia até que um ser de outro planeta tinha aterrissado na fazenda. Uns cuidavam de Dona Isabel que desmaiara e que voltara a si, branca que nem papel, outros acudiam o Coronel Damasceno, trazendo-lhe água para amenizar a tosse.

Mariana observava tudo e lá dentro dela mesma, algo sinalizava... será que era amor? Bom lembrar que quando Quinzinho foi estudar fora, ele era pré-adolescentes e Mariana ainda era uma criança. Contudo, já pairava entre eles um ar diferente, além de uma mera amizade. Será que a diferença social seria empecilho?

Apesar de todo aquele alvoroço com a chegada do primeiro piloto de motos daquela cidade, o Doutor Quinzinho, os olhares assustados dos empregados, o desmaio de Dona Isabel e a crise de tosse do Coronel Damasceno, as coisas foram se acalmando. Quinzinho todo orgulhoso começou a relatar as aventuras como piloto de motos, os prêmios, as medalhas enfim. Era aplaudido, porém seus pais não demonstravam nenhuma reação de felicidade com as declarações do filho e aguardavam ansiosos pelas informações sobre o curso de medicina, a formatura, casos amorosos e das pretensões do filho em trabalhar como médico, já que foi para isso que investiram nele.

Dona Isabel já recuperada e de papo com Dona Alcinda levantou-se e foi à cozinha para verificar o andamento das guloseimas que logo seriam servidas. Os olhos de Mariana, sempre voltados para Quinzinho e era correspondida.

- Quinzinho! Vá tomar seu banho, gritava Dona Isabel, a mãe ainda curiosa - Logo estaremos servindo o jantar e queremos saber detalhes sobre sua profissão. Não é qualquer família que tem um doutor. Nossa família tem você. Já iremos arrumar a mesa.

Mariana e Quinzinho continuavam trocando olhares. Será que Mariana já sabia de algo secreto sobre Quinzinho?

- Sente-se à mesa conosco Mariana! Você é minha convidada de honra.

Sentencia Quinzinho, em meio aos olhos de reprovação de Dona Isabel. Mas como o convite já havia sido feito, não tinha como mais desfazê-lo. Mas, antes que a moça rejeitasse o convite, João Camilo, seu pai, recomendou:

- Aceite a gentileza Mariana! Não se rejeita o convite de um dotô.

E assim aconteceu. Todos se aprontaram para o jantar, com grande apetite ao prato principal:

As novidades que Quinzinho iria servir à mesa.

Mariana estava sem jeito com os talheres, com os pratos e com as comidas que a serviam. Mas ninguém estava reparando nela. O centro das atenções era o Doutor, que estava preocupado em apenas saciar a fome numa ânsia de glutão.

Dona Isabel interrompeu a lamentável cena de gula explícita do filho que nem parecia ter sido educado na Europa. Indagou:

- Filho, fale das novidades. Você falou na carta que já estava trabalhando? Em qual hospital da França?

E a resposta veio sorrateira feito um elefante :

- Em nenhum! Eu não sou médico para trabalhar em hospital!!

O Coronel Damasceno quase que se entalou com uma costela de porco que ele estava finalizando de comer, quando escutou a afirmativa de Quinzinho. Depois de vários tapas nas costas do Coronel dados por sua esposa, ele teve condições de falar e perguntar :

- Ocê num é médico!? Ocê num é dotô!? Mi exprica isso Quinzinho! Num tô te intendendo não! Ocê num formô!? E aquele rio de dinheiro qui eu mandei direto pra universidade?

- Eu me formei sim meu pai, mas não em medicina. Eu me formei em Engenharia Mecânica. Eu sou Engenheiro Mecânico.

- Mecânico?! Ocê formô pra isso? Pra ser um comedor de graxa? Foi pra isso que meu dinheiro prestô, meu filho?

- O senhor está confundindo as profissões. Mecânico, que é uma profissão também digna, conserta máquinas e motores. Engenheiro Mecânico projeta e cria máquinas e motores. Eu projeto motocicletas de competição. Eu crio e testo as motos.

Todos ali na sala de jantar da sede da fazenda estavam estáticos e silenciosos com as revelações de Quinzinho. Nem mesmo uma aleluia que circundava a lâmpada do lustre da sala, ousou quebrar o silêncio que ali reinava. Após esse instante, a quietude foi quebrada com uma pergunta rasgada do Coronel Damasceno :

- E ocê vai criá essas moto aqui na fazenda pra vendê pra quem? Prus colono?

- Não meu pai! Eu não vou criar as motos aqui na fazenda não, porque eu não vou ficar aqui. Eu vou voltar para Europa! Tenho projetos lá.

Essa declaração de Quinzinho, caiu como uma bomba nos planos elaborados pelo velho Coronel para o futuro de seu filho doutor que agora, não era mais o tipo de Doutor pré fabricado em sua imaginação.

Quinzinho chegou revirando as expectativas de todos, tanto as positivas quanto as negativas. Não falou sobre os seus planos futuros, mas entreteve a todos com a narrativa de suas experiências e com os costumes dispares de um lugar distante e impossível de ser concebido pelos presentes que só entendiam da cidadezinha de Sacramento.

- Credo ! Vixi, deve de se Dotô, uma catinguera só ! – exclamava um.

- Brasileiro é o único povo que tem o hábito de tomar banho todos os dias - explicava Quinzinho com ares de um verdadeiro professor de aulas sobre a vida no exterior.

- Mas meu filho, lá que te ensinaram a comer e falar ao mesmo tempo? Por aqui não é nosso costume fazer isso – gracejava ao filho, Dona Isabel.

Naquele banquete de novidades a sobremesa foi o fascínio imperceptível invocado por Quinzinho, notado somente por aqueles que lessem os olhos da moreninha Mariana, sentada numa cadeira oposta ao lado da mesa em que ele se sentou.

- Qual a lembrança mais bonita que cê trouxe de lá? – soltou sem pensar a morena que se arrependera das palavras usadas assim que concluiu a frase por perceber o olhar estático de Dona Isabel. Quinzinho abaixou a cabeça como se risse para si mesmo e puxou do bolso uma pecinha que parecia ser um bibelô em formato de borboleta. Todos acompanharam com o olhar, cada movimento do jovem e admiraram o artefato que ele estendia na mão para que cintilasse e aumentasse mais a atenção dos demais.

- Desgraçadamente essa não foi a lembrança mais bonita – todos riram – mas quem me deu isso com certeza foi a pessoa mais bonita que conheci na vida.

- Agora entendi o que você perdeu lá na Europa? – caçoava Dona Isabel e todos riam.

- Perdeu nada, achou e bem achado - mais risadas.

- Bem encachado! – emendava outro convidado.

Quinzinho não os ouvia. Seus pensamentos ficaram repentinamente longe por alguns instantes, enquanto mirava o luminoso adorno.

- É esmeralda! – alguém exclamou.

- Realmente perdi, mãe, a dona disso fugiu das minhas mãos igual uma areia escorrendo pelos dedos.

- Ê lasquera! Dotô sofrência ! – falavam e riam.

Quinzinho sorriu envergonhado.

– Pode ficar. – entregou a pecinha curiosa nas mãos de Mariana que resistiu por graça algumas vezes, mas acabou por aceitar e tão logo aceitou notou que se tratava de um passador, uma presilha de cabelo e o entusiasmo da moreninha fez com que ela o ajeitasse logo no cabelo, no formato de um coque, permitindo que as amarronzadas e formosas maçãs do rosto se salientassem. Sua postura mudou discretamente com o penteado, tornando o seu sentar mais elegante com as costas naturalmente mais eretas, deixando seu pescoço sedutor a mostra. Quinzinho congelou diante daquele gesto, como se estivesse petrificado, boquiaberta. Todos notaram e não entenderam a reação dele.

– Como é possível? – sussurrou.

Essa visão trouxe à memória, um rápido lapso de tempo onde duas crianças corriam pelo campo até chegar às margens de um riacho. Ali, em meio a risos e gargalhadas, disputaram a sorte nos dedos para decidir quem daria o primeiro mergulho. Quinzinho foi o contemplado, mas não se dando por vencido, pegou Mariana pela mão, praticamente arrastando-a para dentro da água, dando início a uma segunda sessão de risos.

Minutos depois estavam eles, cansados, completamente encharcados, deitados sobre a relva, admirando o céu de brancas nuvens.

-Um dia quero conhecer um castelo! Disse Mariana.

-Eu te levo! Respondeu Quinzinho.

-Leva nada! Quando você for embora, vai conhecer outros lugares, outras pessoas e nunca mais vai lembra de mim!

Dizendo isso, virou-se de costas para ele, a fim de esconder as lágrimas que começavam a cair do rosto. Ele continuou na mesma posição, com as mãos sobre a cabeça, admirando as nuvens. Tirou uma rama de capim, mastigou por alguns segundos e disse:

-Mariana! Eu não queria ir para Europa. Queria ficar aqui com você. Juro!

-Você jura? Disse ela ao se virar apoiando a cabeça com uma das mãos.

-Não apenas juro, mas prometo que voltarei pra te buscar. E todos estes castelos de nuvens que admiramos agora, um dia, irei te mostrar. Porém vai ser um castelo de verdade.

Ela o admirou por alguns segundos, inclinou a cabeça sobre ele e encostou seus lábios nos lábios dele, que apenas fechou os olhos e sentiu o sabor do momento.

-Tenho uma coisa pra te dar disse ela, colocando a mão no bolso do vestido e retirou algo semelhante a uma presilha de cabelo sem a pedra de adorno. Abriu suavemente a mão de Quinzinho e, sem desviar o olhar de seus olhos, a depositou.

Terminada a volta ao passado, ele se levanta e lhe estende a mão, e os dois saem pela porta até a varanda onde a lua cheia tem como companhia um céu rodeado de inúmeras estrelas.

-Que bom que você não me esqueceu! Disse ela

-Você vai comigo para a Europa, Mariana. Ontem os castelos que sonhávamos eram feitos de nuvens. Como se a vida estivesse nos permitindo construir vários até que achássemos o modelo perfeito. O tipo de castelos que queríamos.

-E você encontrou?

-Sim! Todo castelo, por mais belo que seja, será um corredor vazio, um antro com salas frias. Nenhum rei poderá habitá-lo se não tiver ao seu lado uma linda princesa. E a princesa do meu castelo é você Mariana. Você quer se casar comigo e ir morar na França?

O silêncio era sepulcral, quebrado apenas pelo semidesmaio de Dona Alcinda. Todos aguardavam, naqueles segundos seculares, a resposta de Mariana, que veio em tom doce e suave no seu esgar de donzela.

- Sim!!! Eu quero.

- Viva os noivos! gritou um dos convidados que foi acompanhado de outros "vivas".

Dona Isabel não gostou muito da ideia de seu filho se casar com a filha do administrador da fazenda. Esperava que ele se casasse com a filha de algum fazendeiro de Sacramento ou até mesmo com uma européia, mas ela logo se conformou, lembrando das cartas que Quinzinho enviava da França, relatando a paixão que nutria por Mariana.

Os dias que se seguiram, foram corridos qual as motos pilotadas por Quinzinho nas pistas da Europa. O pedido de mãos aos pais de Mariana feito por Quinzinho na casa dela; A festa de noivado patrocinado pelo Coronel Damasceno, com resistência de João Camilo.

- Isso é obrigação do pai da noiva. Sentenciou o administrador.

- Esse é o meu presente de casamento prus noivos, João! amenizou o Coronel.

- Sendo assim então, eu concordo. Disse o pai da noiva.

E assim foi feito. Os preparativos para a festa de noivado; o noivado e a festa; os proclamas de casamento; os convites e os convidados; os padrinhos e as madrinhas; o vestido de noiva e o terno; os casamentos, civil e religioso.

Chegou o dia tão esperado. E ele não poderia ser tão radiante como aquele. Um dia ensolarado, com nuvens brancas esparsas no horizonte, pássaros e cigarras cantando, colibris e borboletas beijando as flores, uma siriema ao longe chamando chuva e um bezerro apartado, choroso chamando por sua mãe.

A cerimônia religiosa seria no início da noite, às seis horas. O dia passou rápido devido aos muitos preparativos daquele solene evento. Além das formalidades usuais, havia também o aprontar das malas, pois os noivos iriam partir dali da igreja, direto para a estação onde pegariam o noturno das nove horas rumo a capital, onde chegaria no início da manhã. De lá, eles iriam para o aeroporto e pegariam o voo para a França. Estava tudo programado; passagens e traslados. Estava também contratado o frete para o embarque da motocicleta de Quinzinho, tanto no vagão bagageiro do noturno, quanto no compartimento de bagagens do avião.

A "Ave Maria" estava tocando quando Mariana adentrou a igreja. A cerimônia matrimonial transcorreu sem nenhum atropelo. Praticamente todos os habitantes de Sacramento compareceu ao casamento. O Coronel Damasceno e Dona Isabel eram muito estimados na cidade pelo seu trabalho social com os mais necessitados. Terminada a cerimonia e também os cumprimentos aos noivos, rumaram para a estação ferroviária que ficava bem em frente da igreja.

Um clima estranho pairava sobre a estação. Um burburinho na plataforma atiçou a curiosidade de Quinzinho que logo foi perguntar ao agente da estação, o que estava ocorrendo.

- Um cargueiro descarrilou no corte da pedreira. O tráfego de trens está totalmente interrompido. O noturno pra capital não tem como passar. A previsão para liberação do tráfego é de três dias.- Disse o agente.

O dia foi perfeito demais para não ter um imprevisto. E tinha que ser no encerramento dele e com chave de ouro. Não havia outro transporte ligando Sacramento a capital que não fosse por trem ou condução própria. Todo o planejamento iria por água abaixo; as passagens, o frete do transporte da moto e a tão sonhada noite de núpcias num castelo medieval europeu. Todos estavam se lamentando pelo triste desfecho daquele dia tão perfeito até agora, quando Quinzinho num repente, correu para a saída da estação que dava para a rua, indo em direção à caminhonete que transportou a moto, da fazenda até lá. Ele subiu na caçamba da caminhonete, abriu a banda de trás do veículo, montou na moto, deu partida nela e com uma acelerada, tracionou-a bruscamente e a fez saltar da caçamba feito um cavalo. Parou a moto em frente da estação onde estava Mariana e disse a ela:

- Sou o cavaleiro que veio ti buscar, lembra? Suba na garupa Mariana. Vamos à capital montados em duzentos cavalos. - Referindo-se à potência do motor da motocicleta. Não vamos perder o nosso voo amanhã, nem a nossa lua-de-mel no castelo.

- E as nossas malas, nossas roupas? - Inquiriu a recém-casada.

- Compraremos tudo lá na França. - Respondeu Quinzinho.

Dona Alcinda que estava ao lado da filha, ordena a ela:

- Vá! Não perca a oportunidade. O cavalo do seu destino está selado. Monte nele e vai ser feliz.

Mariana já havia retirado no adro da igreja, o véu, a grinalda e a cauda do vestido de noiva, pois sabia que seria difícil se instalar no camarote de um trem com todos aqueles apetrechos. Deu um beijo no rosto da mãe e montou na garupa da moto do marido, que empinou-a feito um cavalo rampante, tomando a estrada rumo a capital. E tudo correu como estava planejado e principalmente a lua-de-mel num castelo medieval no meio da Europa.

E como é aquela frase mesmo??

"E eles foram felizes para sempre!"

Paulino Pereira Lima, Maria Marlene, Thomas Miranda e Caio Schroer. Oficina Poética
Enviado por Paulino Pereira Lima em 29/03/2018
Código do texto: T6294535
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