Prosa Musical - Secret Smile (Semisonic)

Por que o mundo é tão vazio?

Não, não é ele que é vazio, sou eu. Não me lembro desde quando, mas sei que já senti tanto isso, tanto que parece ter sido sempre assim; a escuridão de meu coração apaga as luzes de minha memória, bem como a luz do fim do túnel, aquela que nos guia para fora.

Não consigo seguir em frente, muito menos voltar, apenas contemplar o vazio e a escuridão de minha alma... Então por que não consigo simplesmente desaparecer, deixar o nulo de meu ser me consumir? Por causa de um único sorriso.

Sim, um sorriso. Nada escancarado por sinal, bem simples e delicado, quase imperceptível às vezes, mas é único e insubstituível. Já a vi sorrir algumas vezes para outros, mas por quê? Por que para mim ela sorri daquele jeito? Juro que não estou sendo pretensioso; não estou me

gabando. Aliás, eu nem sei o que aquilo significa. Não vejo pessoas sorrindo para mim o tempo todo e nunca acho que o riso é para mim. E costuma não ser mesmo... Mesmo o sorriso dela eu sempre duvido, no entanto sinto que é óbvio: aquele sorriso é só meu, e de mais ninguém.

Eu sei, eu sinto.

Por que ela não para de sorrir para mim daquele jeito? Será que ela não percebe o que ela me causa?

E se realmente ela não percebe? Não é possível.

Um sorriso daqueles tem que ser de propósito. A deusa Fortuna é realmente cruel; permitiu que um sorriso tão poderoso caísse no rosto de uma pessoa tão desligada. É de propósito sim, tenho certeza. Vocês não estão vendo também? É tão transparente, tão luminoso que me envergonho. Como vocês não veem?

Como descrevê-lo? Vocês sabem, é aquele sorriso! Aquele quando a pessoa te olha, não de qualquer jeito, mas daquele jeito que só você sabe que é para você; uma forma de olhar que é quase um encanto, pois todos que estão em volta ignoram. É como um código: só eu consigo decifrar as profundas expressões daquele sorriso de perfil,

tão suave e rápido...

Bom, vocês que já receberam um sorriso desses devem entender. É como uma pintura: ela olha para mim ou para além? Deve haver algo que ela vê depois, pois não há nada aqui em mim, apenas minha casca vazia...

Na verdade, há algo aqui. Mas não é nada com que ela ou qualquer pessoa se preocupe. Essas coisas são a tristeza, a angústia, a conformidade, o desespero... Todas essas coisas que todos temos, porém só conseguimos sentir o que é inerente a nós mesmos. Somos todos um bando de egoístas, essa é a verdade.

Mas ela é diferente. Ela consegue, não entendo como, intervir nas dores que são só minhas. Com um breve sorriso ela agita toda a minha alma inerte. Por que ela não faz isso com os outros também? Não é justo. Ela tira a minha tranquilidade melancólica sem nenhuma palavra, com um simples mover de lábios. Eu não quero sentir nada, nunca mais, achei que nunca mais sentiria, inclusive. Quero ficar estável nesta conformidade sofrida... Mas agora isso é impossível.

Tudo bem, eu admito! Um simples sorriso me abala tão profundamente que vocês não entendem! Eu estou começando a desejá-lo, a esperá-lo!

Antes eu a evitava com medo de recebê-lo, mas agora eu o anseio, eu a provoco para que mostre tão brilhante feição para mim mais uma vez, e de novo e novamente... E por que ela sempre o faz?! Ela está me provocando também, está se vingando de minha audácia. Depois de tanto o receber, agora o imagino sozinho; eu revivo cada sorriso como um castigo cíclico, no entanto, estranhamente acolhedor.

Mas isso não pode continuar assim. Meu mar de tristeza não gosta de ser revirado e me tortura com cada pedra que ela me atira com seus olhares discretos. Eu não quero esses sorrisos... ou quero? Sim, eu quero, mas não gosto de recebê-los. Eles me deixam ainda mais fraco,

mas me confortam. Estou ficando dependente desses sorrisos tão breves e calorosos, por isso eu não os quero mais. É como uma droga: ela me viciou tão lentamente que só percebo agora que não consigo passar um dia sem pensar neles.

Imagina se ela não quiser mais sorrir para mim? O que eu vou fazer?! E o que eu fazia antes de recebê-los? Nem me lembro mais...

Se bem que não penso mais tanto na escuridão agora que tenho seus sorrisos. Aquela escuridão tão densa parece estar agora abaixo de seu ser; está em segundo plano em minha mente.

É isso! É exatamente isso!

Como será que ela consegue, sem pronunciar uma palavra? Será que ela é mesmo capaz? Duvido muito. Meu vazio é muito amplo, ninguém nunca conseguiu preenchê-lo. Porém, estou curioso. Não, eu quero. Eu almejo isto: que você tire este peso de mim. Não aguento essas trevas sozinho. Eu admito! Olha o que você fez... Eu não queria, mas agora já me convenci: talvez eu precise de você. Quem sabe não seja bom no final? Pelo menos seu sorriso me fez uma coisa enorme: me fez ter a vontade de tentar.

Mas será mesmo que ninguém percebe tudo isso? Tudo que um simples sorriso de uma simples pessoa me causa, tudo que ele transforma dentro de mim? Vocês não sentem a mesma coisa? É, realmente não, só eu. Esse é o nosso segredo: esse é o meu sorriso, o sorriso secreto que

você guarda só para mim.