CARTAS DE OUTONO
O mês de abril já chegara há muito, e Clarissa ainda esperava as cartas do amor que partiu. Solano viajou para outro estado, para cumprir um tempo no seu novo emprego.
Com um cargo atrativo e um belo aumento de salário, lá se foi o moço para novas paragens.
Clarissa percebeu que nesse quase um ano as cartas começaram a rarear, mas o seu bom e ingênuo coração se negava render-se às evidências. Naturalmente, Solano já havia encontrado algo mais importante para fazer do que responder as suas cartas. O telefonema ao fim do dia, com a desculpa da dificuldade de sinal, era frio e rápido.
Clarissa continua a trabalhar e estudar como se nada acontecesse e seus pais respeitavam a sua vontade, apesar de nunca terem gostado do pretenso genro, achando-o um rapaz pedante e sem valores morais.
A moça seguia a vida fingindo não perceber as insinuações dos vizinhos. Cidade pequena leva a pequenez a alguma almas, que se comprazem com o sofrimento alheio. Ao passo que nas cidades grandes as pessoas não têm tempo para isso.
_Clarissa, quando virá o noivo? – perguntava dona Gema, a fofoqueira da rua.
E nem mesmo noivos eles ainda eram e talvez não fossem nunca.
_Está no Espírito Santo a trabalho, dona Gema. E suas dores de barriga? – perguntava a moça como troco.
Era o bastante para a velha começar a reclamar da vida e das dores de sempre, dando oportunidade a moça de abanar a mão e entrar em casa.
Com os olhos lacrimejantes, Clarissa sentou-se diante da TV fingindo ver a reportagem, nesse momento chega sua mãe do quarto, que tudo vira da janela.
_Filha, quando você vai tomar coragem de colocar um fim nesse fracassado romance? – pergunta a senhora, colocando a mão sobre a mão da filha.
_Não sei, mãe!! Todos os dias levanto com essa intenção, mas o dia passa e nada faço. – diz a moça jogando-se nos braços da mãe aos prantos.
A mãe acarinhou os cabelos da filha e deixou-a chorar por um longo tempo.
O que Clarissa nunca tinha observado, em meio aos seus devaneios de amor não correspondido, é Omar, o carteiro que trabalha em seu bairro.
O belo moço não tem olhos para outra mulher que não seja a bela negra Clarissa. Quando tem entregas para fazer, procura conversar, alongar a tarefa, mas não vê correspondência. Mas a esperança é a última que morre, pensa o moço.
Após chorar muito e com o auxílio da mãe colocar uma compressa gelada nos olhos, Clarissa ouve a campainha e levanta-se para atender. Ninguém mais, ninguém menos que o carteiro Omar com uma encomenda para o seu pai.
O rapaz percebe que a moça animada, inicia a procura de algo entre os envelopes que chegaram junto com a caixa, mas, suspira ao nada encontrar.
Como moram numa pequena cidade, todos sabem da vida uns dos outros e ele, como todos, sabe o drama que a moça vive e, mentalmente, xingando aquele desalmado e falso namorado.
_Está esperando alguma correspondência? – pergunta o moço solícito, explicando que pela tarde ainda chega uma nova remessa.
_Sim. – diz ela tristonha. Naturalmente virá no próximo lote.
Passados alguns dias, Clarissa percebeu que entre as correspondências do seu pai passou a chegar um envelope com seu nome, mas sem remetente nem nenhuma indicação. Com medo de ser uma maldade de alguém nada comentou com os pais, mas também não os jogou fora, colocando na sua gaveta de lembranças, debaixo de tudo.
Omar aguardava, ansioso, que a moça lesse as cartas, mas nada via nem ouvia dela. Agradecia a quantidade de coisas que o seu Henrique recebia porque assim sempre havia entregas a serem feitas.
Com vontade perguntar ao rapaz se sabia do remetente das cartas, Clarissa também titubeava e nada dizia.
Quando completou um ano da partida de Solano, sem que regressasse, a moça tomou coragem e terminou tudo por uma simples carta e da mesma forma recebeu a resposta do moço.
No dia que a correspondência foi entregue, os envelopes estavam juntos e tanto a moça quanto Omar entreolharam profundamente. Mas ainda assim ele despediu-se e ela nada disse.
Aproveitando a ausência dos pais, Clarissa pegou todas as cartas que havia recebido ao longo daquele tempo e lado a lado com a única carta de Solano, optou por ler a primeira antes das outras.
Em frias e secas palavras, Solano concordava com o fim do namoro, explicando que não tem intenção de voltar ao interior do Rio. Largando a carta como uma batata quente, Clarissa pegou a última carta da pilha, que se refere à primeira recebida.
Só nesse momento que ela percebe o envelope enfeitado e fechado com um bonito lacre.
Nervosa, ela descola a bonita peça, cuidadosamente para não rasgar e retira uma folha num tom amarelo-ouro, escrita com uma fina caneta preta.
Prezada Clarissa
Espero que ao abrir a carta não me julgue abusado ou oportunista. O meu desejo é intensificar a nossa amizade, que muito me faz bem, quando faço as entregas em sua casa. A sua gentileza e simpatia me encantam e sinto que esse encantamento vai se aprofundando a cada dia.
Sei também do seu compromisso e de nenhuma forma desejo atrapalhar o amor que sente pelo seu noivo. Apenas desejo que me aceite como amigo e saberei respeitar nossa convivência como sempre fiz.
Continuarei escrever até que me dê uma resposta e se for não, apesar de sofrer, vou compreender.
Desse que muito a admira,
Omar
Quando termina de ler, Clarissa, sem nenhum espanto, sorri contente, pois já desconfiava do autor das misteriosas cartas. Foi pegando uma a uma e lendo, encantada, reparando no cuidado da escrita das palavras, nas cores dos papéis e nos enfeites dos envelopes.
Passou o resto da tarde enlevada com tanta beleza e gentileza daquele belo moço e um gostoso sentimento outonal, de renovação das células do coração, começou a brotar em seu peito.
Ainda sorrindo, Clarissa sentou-se diante da escrivaninha do pai e procurou material para escrever uma carta. Encontrou alguns papéis antigos, mas que estavam perfeitos e envelopes coloridos e escreveu assim:
Prezado Omar
Após as primeiras cartas recebidas desconfiei que elas fossem suas, mas não tive coragem bastante para interpelá-lo. Você me conhece o bastante para saber que sou tímida e ainda me considerava comprometida com Solano. Atente para o verbo considerava, porque não sou mais comprometida nem com ele nem com ninguém.
Meu coração é um doce campo pronto para florescer uma nova semente.
Sofri muito, durante um longo tempo, mas não existe dor que nunca acabe, principalmente quando tenho um incentivo tão puro e gentil como o seu.
Dizer que é amor o que sinto é muito prematura, mas o início de uma amizade que pode dar frutos futuramente.
Também é do seu conhecimento que as pessoas comentam e vamos ser alvo de comentários maldosos pelas pessoas. Caso esteja preparado para esse sacrifício (rsrsrsrsr) eu também estou.
Aceito seu convite para sairmos e apreciar as tardes de outono na praça, onde as árvores já fazem seu ninho de folhas multicoloridas.
Fico feliz que o remetente seja você e aguardo resposta, mesmo que não haja remessas para minha casa.
Com carinho,
Clarissa
Depois de terminar, a moça dobrou o papel com cuidado e o colocou no envelope, matutando como faria para entregar. De repente, lembrou-se dos biscoitos que sua mãe oferecia juntamente com suco, principalmente em dias muito quentes e teve uma boa idéia.
Pegou uma caixa pequena de uma entrega antiga, limpou-a, arrumou por dentro e colocou o envelope. Depois arrumou os biscoitos num guardanapo e colocou junto. Lacrou a mesma com fita adesiva como se fosse uma entrega dos correios. Entregaria para ele como se fosse sua mãe que tivesse deixado.
No dia seguinte, mesma hora de sempre, Clarissa ouve a campainha e vai atender. Com o coração aos saltos, recebe a correspondência e pede que ele espere.
_Omar, mamãe deixou esses biscoitos para você e pediu que eu entregasse. O segredo do sabor você vai descobrir depois. – disse a moça misteriosamente.
O rapaz agradeceu com um sorriso e foi para o trabalho finalizar o seu expediente.
Em casa, abriu a caixa de onde vinha um delicioso aroma dos biscoitos caseiros de dona Helô, mãe de Clarissa e qual a sua surpresa quando viu o envelope lá dentro. Deixou os biscoitos sobre a mesa e pegou o envelope, suspirando nervosamente. Abriu e tirou uma única folha de dentro.
Enquanto lia, seu sorriso foi se alargando até tomar conta de todo rosto. Um sorriso de uma pessoa feliz. Sua amada disse sim aos seus pedidos.
Agora os outonos trazem as doces recordações para o casal que ainda se senta na praça para apreciar o dourado das folhas.
Regina Madeira
21/03/2018
O mês de abril já chegara há muito, e Clarissa ainda esperava as cartas do amor que partiu. Solano viajou para outro estado, para cumprir um tempo no seu novo emprego.
Com um cargo atrativo e um belo aumento de salário, lá se foi o moço para novas paragens.
Clarissa percebeu que nesse quase um ano as cartas começaram a rarear, mas o seu bom e ingênuo coração se negava render-se às evidências. Naturalmente, Solano já havia encontrado algo mais importante para fazer do que responder as suas cartas. O telefonema ao fim do dia, com a desculpa da dificuldade de sinal, era frio e rápido.
Clarissa continua a trabalhar e estudar como se nada acontecesse e seus pais respeitavam a sua vontade, apesar de nunca terem gostado do pretenso genro, achando-o um rapaz pedante e sem valores morais.
A moça seguia a vida fingindo não perceber as insinuações dos vizinhos. Cidade pequena leva a pequenez a alguma almas, que se comprazem com o sofrimento alheio. Ao passo que nas cidades grandes as pessoas não têm tempo para isso.
_Clarissa, quando virá o noivo? – perguntava dona Gema, a fofoqueira da rua.
E nem mesmo noivos eles ainda eram e talvez não fossem nunca.
_Está no Espírito Santo a trabalho, dona Gema. E suas dores de barriga? – perguntava a moça como troco.
Era o bastante para a velha começar a reclamar da vida e das dores de sempre, dando oportunidade a moça de abanar a mão e entrar em casa.
Com os olhos lacrimejantes, Clarissa sentou-se diante da TV fingindo ver a reportagem, nesse momento chega sua mãe do quarto, que tudo vira da janela.
_Filha, quando você vai tomar coragem de colocar um fim nesse fracassado romance? – pergunta a senhora, colocando a mão sobre a mão da filha.
_Não sei, mãe!! Todos os dias levanto com essa intenção, mas o dia passa e nada faço. – diz a moça jogando-se nos braços da mãe aos prantos.
A mãe acarinhou os cabelos da filha e deixou-a chorar por um longo tempo.
O que Clarissa nunca tinha observado, em meio aos seus devaneios de amor não correspondido, é Omar, o carteiro que trabalha em seu bairro.
O belo moço não tem olhos para outra mulher que não seja a bela negra Clarissa. Quando tem entregas para fazer, procura conversar, alongar a tarefa, mas não vê correspondência. Mas a esperança é a última que morre, pensa o moço.
Após chorar muito e com o auxílio da mãe colocar uma compressa gelada nos olhos, Clarissa ouve a campainha e levanta-se para atender. Ninguém mais, ninguém menos que o carteiro Omar com uma encomenda para o seu pai.
O rapaz percebe que a moça animada, inicia a procura de algo entre os envelopes que chegaram junto com a caixa, mas, suspira ao nada encontrar.
Como moram numa pequena cidade, todos sabem da vida uns dos outros e ele, como todos, sabe o drama que a moça vive e, mentalmente, xingando aquele desalmado e falso namorado.
_Está esperando alguma correspondência? – pergunta o moço solícito, explicando que pela tarde ainda chega uma nova remessa.
_Sim. – diz ela tristonha. Naturalmente virá no próximo lote.
Passados alguns dias, Clarissa percebeu que entre as correspondências do seu pai passou a chegar um envelope com seu nome, mas sem remetente nem nenhuma indicação. Com medo de ser uma maldade de alguém nada comentou com os pais, mas também não os jogou fora, colocando na sua gaveta de lembranças, debaixo de tudo.
Omar aguardava, ansioso, que a moça lesse as cartas, mas nada via nem ouvia dela. Agradecia a quantidade de coisas que o seu Henrique recebia porque assim sempre havia entregas a serem feitas.
Com vontade perguntar ao rapaz se sabia do remetente das cartas, Clarissa também titubeava e nada dizia.
Quando completou um ano da partida de Solano, sem que regressasse, a moça tomou coragem e terminou tudo por uma simples carta e da mesma forma recebeu a resposta do moço.
No dia que a correspondência foi entregue, os envelopes estavam juntos e tanto a moça quanto Omar entreolharam profundamente. Mas ainda assim ele despediu-se e ela nada disse.
Aproveitando a ausência dos pais, Clarissa pegou todas as cartas que havia recebido ao longo daquele tempo e lado a lado com a única carta de Solano, optou por ler a primeira antes das outras.
Em frias e secas palavras, Solano concordava com o fim do namoro, explicando que não tem intenção de voltar ao interior do Rio. Largando a carta como uma batata quente, Clarissa pegou a última carta da pilha, que se refere à primeira recebida.
Só nesse momento que ela percebe o envelope enfeitado e fechado com um bonito lacre.
Nervosa, ela descola a bonita peça, cuidadosamente para não rasgar e retira uma folha num tom amarelo-ouro, escrita com uma fina caneta preta.
Prezada Clarissa
Espero que ao abrir a carta não me julgue abusado ou oportunista. O meu desejo é intensificar a nossa amizade, que muito me faz bem, quando faço as entregas em sua casa. A sua gentileza e simpatia me encantam e sinto que esse encantamento vai se aprofundando a cada dia.
Sei também do seu compromisso e de nenhuma forma desejo atrapalhar o amor que sente pelo seu noivo. Apenas desejo que me aceite como amigo e saberei respeitar nossa convivência como sempre fiz.
Continuarei escrever até que me dê uma resposta e se for não, apesar de sofrer, vou compreender.
Desse que muito a admira,
Omar
Quando termina de ler, Clarissa, sem nenhum espanto, sorri contente, pois já desconfiava do autor das misteriosas cartas. Foi pegando uma a uma e lendo, encantada, reparando no cuidado da escrita das palavras, nas cores dos papéis e nos enfeites dos envelopes.
Passou o resto da tarde enlevada com tanta beleza e gentileza daquele belo moço e um gostoso sentimento outonal, de renovação das células do coração, começou a brotar em seu peito.
Ainda sorrindo, Clarissa sentou-se diante da escrivaninha do pai e procurou material para escrever uma carta. Encontrou alguns papéis antigos, mas que estavam perfeitos e envelopes coloridos e escreveu assim:
Prezado Omar
Após as primeiras cartas recebidas desconfiei que elas fossem suas, mas não tive coragem bastante para interpelá-lo. Você me conhece o bastante para saber que sou tímida e ainda me considerava comprometida com Solano. Atente para o verbo considerava, porque não sou mais comprometida nem com ele nem com ninguém.
Meu coração é um doce campo pronto para florescer uma nova semente.
Sofri muito, durante um longo tempo, mas não existe dor que nunca acabe, principalmente quando tenho um incentivo tão puro e gentil como o seu.
Dizer que é amor o que sinto é muito prematura, mas o início de uma amizade que pode dar frutos futuramente.
Também é do seu conhecimento que as pessoas comentam e vamos ser alvo de comentários maldosos pelas pessoas. Caso esteja preparado para esse sacrifício (rsrsrsrsr) eu também estou.
Aceito seu convite para sairmos e apreciar as tardes de outono na praça, onde as árvores já fazem seu ninho de folhas multicoloridas.
Fico feliz que o remetente seja você e aguardo resposta, mesmo que não haja remessas para minha casa.
Com carinho,
Clarissa
Depois de terminar, a moça dobrou o papel com cuidado e o colocou no envelope, matutando como faria para entregar. De repente, lembrou-se dos biscoitos que sua mãe oferecia juntamente com suco, principalmente em dias muito quentes e teve uma boa idéia.
Pegou uma caixa pequena de uma entrega antiga, limpou-a, arrumou por dentro e colocou o envelope. Depois arrumou os biscoitos num guardanapo e colocou junto. Lacrou a mesma com fita adesiva como se fosse uma entrega dos correios. Entregaria para ele como se fosse sua mãe que tivesse deixado.
No dia seguinte, mesma hora de sempre, Clarissa ouve a campainha e vai atender. Com o coração aos saltos, recebe a correspondência e pede que ele espere.
_Omar, mamãe deixou esses biscoitos para você e pediu que eu entregasse. O segredo do sabor você vai descobrir depois. – disse a moça misteriosamente.
O rapaz agradeceu com um sorriso e foi para o trabalho finalizar o seu expediente.
Em casa, abriu a caixa de onde vinha um delicioso aroma dos biscoitos caseiros de dona Helô, mãe de Clarissa e qual a sua surpresa quando viu o envelope lá dentro. Deixou os biscoitos sobre a mesa e pegou o envelope, suspirando nervosamente. Abriu e tirou uma única folha de dentro.
Enquanto lia, seu sorriso foi se alargando até tomar conta de todo rosto. Um sorriso de uma pessoa feliz. Sua amada disse sim aos seus pedidos.
Agora os outonos trazem as doces recordações para o casal que ainda se senta na praça para apreciar o dourado das folhas.
Regina Madeira
21/03/2018