Morgana se sentia só. Sozinha, dentro de um ônibus repleto de passageiros. O coletivo seguia devagar, como se quisesse prestar continência à floresta amazônica. Viu palmeiras desfilando, devagar. No céu azul,nuvens carregadas. Dispersas, aqui e outra ali.
Tudo era estranho. Desconhecido. Naquela multidão de passageiros, Morgana só conhecia a ela mesma. Talvez... Tinha de cor um poemeto que fizera; recordação dos bons tempos de escola. E o recitou baixinho, para massagear seu coração:
Lembranças me vinham daquela menina. Quando, ainda criança. Pulando amarelinha que lhe desfazia as tranças. Havia nela um tesouro. Guardado em seu encanto. Em cada canto da vida. Fazia da vida um canto.
Sorriu.
Olhou novamente através da janela de vidro e chorou. Viu passar palmeiras, perfiladas como soldado, em ordem de batalha, batalha perdida da mata nativa de babaçual, contra a força poderosa do homem da moto-cerra. Fim dos tempos...destruição da Terra.
A hora avança no balanço do ônibus, e o transporte coletivo se aproxima da estação rodoviária. Agora, em vez de palmeiras margeando os lados, direito e esquerdo da rodovia, desfilam casas antigas e saúdam, sonolentas, os passageiros. Finalmente, a Ilha do Amor é avistada. “ Oh! que lindo horizonte, planícies e montes. Se o amor é ponte e fonte de vida. Oh...! Que linda!... A Ilha do Amor é aqui.”
Por um momento os amantes são poetas
Por toda vida os poetas são amantes
Soprava suave o vento na Praia da Ponta. Ondas amenas e um sol carinhoso tocavam, delicadamente, a pele salpicada de sardas. Não tarda a onda, mansa e fresca, vem beijar os pés das morenas, ruivas e loiras. Mancebos de short e regata, voam em suas pranchas na superfície das águas. A ilha parece sorrir nos azuis lenções do mar. Morgana se põe a comtemplar o céu rendado de nuvens, que chegam e se vão, carregadas de algodão e nenhum pingo de chuva. Sorrindo a onda quebra branda, no limite que o Criador impôs aos mares. Chega. Depois recua. Deixa quase deixa nua a banhista displicente. De repente, ela desfaz, as longas tranças da loira. E se vai.
— Morgana!
— Bob!...
— Há quanto tempo não ouço alguém me chamar por este apelido!
— Incomoda-se?
— Não, de maneira alguma! Gosto muito, faz-me lembrar o Rio de Janeiro, principalmente, os tempos de colegial no Marista.
Abraçaram-se cordialmente e o beijo que se dão os cavalheiros e as damas saiu sem prumo e escorregou no canto da boca de Morgana.
Ele ficou vermelho. Ela tremeu. E sorriu. Passado o impulso do incidente, Bob disse: “Acidentes acontecem.”
O resto foi sol e mar. Praia, areia na pele, pele na areia, pés na areia, areia entre os dedos... Robert enfiava os pés na areia, Morgana também. E os pés se encontravam, sem serem vistos, protegidos por grossa camada de fina areia.
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."