A VERDADE LIBERTA
A VERDADE LIBERTA
Cada ano que passa fica mais quente, eu não consigo ficar em casa, já tomei vários banhos e ainda sinto calor, vou descer na pracinha e fumar um cigarro por lá. Deixo para subir à noite. Vou pôr logo esse cigarro e o isqueiro no peito, mas só um. Eu não estou fazendo caridade pra sair dando meus cigarros, faço é pedir que não sou besta.
Descendo essa rua de cascalho, não tem uma sombra aqui.
_Ei moço, peraí. Tem picolé de quê? Me dá um de côco.
Cada dia as coisas estão caras e o picolé só diminui, só a água.
_Que foi Neta, que você já vem reclamando.
Era Dna. Foca na praça com sua colcha de retalhos. É chamada assim por que ela sabe da vida de todo mundo.
É fofoqueira, mas ela nem imagina o por quê de Foca.
_Oii Dna. Foca, eu não aguento o calor. Tá cortando retalho, deixa eu te ajudar. Ou a Sra. não quer?
_Que é isso Neta. Panha aí a tesoura, corta aqui.
_E essa moça? É sua neta?- Era uma mocinha, aparentava ser obediente, coisa que não existe mais, olha ali do lado, duas cascudas na sujeira em riba do pé de goiaba, vai quebrar...daqui a pouco Dna. Foca reclama.
_É.Minha bisneta.
Ali no banco estava a moça lendo, bem atenta. Dna. Foca e eu começamos um papo legal, os causos da roça, de onde viemos, causos de assombração, sumiço de gente, de bicho. Os causos eram tão originais que a moça fechou o livro, passando a participar da prosa, ela era da cidade, não sabia o que era correr do estábulo com uma assombração atrás de você. Oras! Arrepia só de falar.
Estávamos ali um bom tempo, com boas risadas, eu me divertia. Quando a mocinha me pergunta de onde eu era.
_Eu sou mãe dele, seu vizinho ali. Ele é casado já, pai e tudo. Eu moro na rua de cima, com a outra menina minha.
Dna Foca, que não perdia a oportunidade;
_A outra é de criação!
_Como assim? É tipo uma afilhada que a Sra. cria?-
Perguntou a jovem sem entender.
_Não, ela não é só de criação. Ela é adotada. Eu a tomei como filha, uma aceitação espontânea, eu não só a criei, eu a amei, essa é a diferença.
Ah! Se eu pudesse dar a seus olhos a visão dessa mãe, entre lágrimas e sorrisos, felicidade e tristeza, como essa mãe descreveu o diálogo entre ela e Raquel, a filha adotiva com 7 anos quando a vizinha tomada pelo ódio contou a criança que era adotada.
Moça ela entrou devagar em casa, já estranhei, ela que só corria que nem cavalo desembestado:
_Mãe! Meu pai vem almoçar?
_Não fia, ele foi pescar.
_Então mãe, desliga aí as panelas e senta aqui.
_Olha menina eu tô cheia de serviço.
_Mãe, eu vou te perguntar, e a Sra não mente...
_Ora, que foi, eu ando mentindo.
_Mãe. É verdade que eu tenho duas mães?
A minha alma moça, saiu do corpo e voltou. Eu perdi o chão, quem disse, quem tomou a frente da minha vida:
_Raquel, você é minha filha, você é minha filha, mas você dormiu 9 meses na barriga da sua outra mãe.
_Mãe, você me quis?
_Sim fia. desde o momento que você nasceu, eu levei sua mãe no hospital.
_E meu pai? Ele me quis?
_Sempre.
_Mãe,você tem a roupa que eu saí do hospital?
_Tenho, seu pai queria verde, eu queria amarelo. Daí te vesti nas duas cores.
_Meu pai foi me buscar?
_Não, ele ficou com medo da sua mãe desistir, ele esperou você ali, debaixo daquele pé de manga. Quando cheguei contigo no meu colo ele chorou.
_Mãe, deixa eu ver minha roupa?
Eu andei devagar e na caixa lá no fundo do guarda roupa estavam as roupinhas.Ela pegou as roupas, olhou um tempo e continuou:
_Você me amamentou?
_Não filha, eu não tinha leite, eu lhe dei mamadeira.
As perguntas continuaram, havia uma laranja na minha garganta, subia e descia. Fiquei um bom tempo contando à ela sobre tudo.
Aí moça pra fechar esse livro também, decidimos morar aqui, ela já era a terceira filha dada pela mãe, eu não queria que elas ficassem na mesma cidade, ainda vendo a decadência da mãe dela, minha filha está com 17 anos.
Claro que eu não queria que ela soubesse assim, eu ia contar, mas quando ela entendesse que eu a adotei por amor, não que o abandono da mãe verdadeira fosse mais importante que o amor da adoção, que o nosso amor.
Ela é minha filha.
_Ela conheceu sua mãe verdadeira? - A jovem ansiosa perguntou. Eu já chorando finalizei o colóquio:
_Sim, mas não foi um problema pra ela, nem pra mim.
Porque a verdade moça, a verdade liberta.