Não te amo mais
Eram seis horas da manhã. O despertador não parava de tocar. Julian levantou-se, meio contrariado é verdade, mas era preciso. Foi ao banheiro e depois vestiu-se rapidamente. Deu uma última olhada para a cama vazia, desarrumada, pro apartamento deserto e para as coisas jogadas no chão em toda a parte. O cheiro do lugar era insuportável, mas a sensação de desumanidade sentida cada vez que se entrava ali era ainda pior.
Enquanto caminhava pela rua, tentava não pensar em nada. O que estava para ser feito, tinha que ser feito independente das consequências futuras. Andou rápido, quando chegou a rodoviária o ônibus já estava saindo, gritou e foi atendido pelo motorista. O ônibus estava vazio, sentou e olhou pela janela, as ruas também estavam desertas. Encostou-se no banco e deixou que o sono fosse dono de suas vontades até que enfim adormeceu.
Era quase meio-dia quando o ônibus parou, desceu lentamente. Estava longe de casa. O barulho de gente vindo e indo, os carros, os telefones, tudo aquilo era novo para ele. Sentiu-se pela primeira vez um animal fora de seu habitat natural.
Não demorou muito para encontrar o endereço. Era uma casa grande, branca de janelas verdes, sem portão, muro ou grades, em um bairro bem aconchegante e calmo. Por incrível que pareça ele até ouviu um passarinho cantar, pelo canto, pensou consigo mesmo, deve ser um pardal.
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Eram seis horas da manhã. Marta levantou. Estava habituada a acordar naquele horário tanto que nem precisava de despertador mais. Já fazia seis anos desde que saíra da sua cidade para morar na capital. Foi até a cozinha colocou água para esquentar para o chimarrão, foi até o banheiro tomou um banho e voltou para a cozinha.
Tomou quase uma térmica de mate sozinha, envolvida nos seus próprios pensamentos, ouviu quando a criança levantou, e correu para a frente da televisão. Ligou e ficou ali pelo restante da manhã. Ela cumpriu com seus deveres domésticos e iniciou o almoço. Foi até a sala, olhou para a criança e decidiu-se por abrir as cortinas para deixar o sol entrar e foi ai que teve a maior surpresa de sua vida. Lá estava ele, não podia ser, o que estava fazendo ali? Parado, olhando para a fachada da casa, branca de janelas verdes.
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Julian andou lentamente até a porta da casa. Pensou mais uma vez, podia desistir, mas não, aquele era o momento, tinha que ser agora. Apertou a campainha, esperou, cada segundo parecia uma hora. O barulho na fechadura apurou-lhe ainda mais o ouvido. A porta se abriu lentamente. O menino parado na porta, devia ter quatro ou cinco anos, de quem seria? Porque aquele menino estava abrindo a porta? Será tinha batido na casa errada?
Foi quando a imponente figura de Marta surgiu às costas do garoto. Seu coração parecia que ia pular pela boca, ela estava ainda mais bela do que antes. Como seis anos podia transformar algo que já era belo, em algo ainda mais magnífico? Tentou falar alguma coisa de imediato, mas sua voz não saia, sentia suas mãos soarem, uma dor cortou-lhe o peito, e ele teve vontade de chorar.
Ele sabia que tinha que dizer algo, ela o olhava com o mesmo olhar de muito tempo atrás, aquele olhar que lhe conquistou, e que ele nunca mais esqueceu, mas o que diria? Não sabia o que dizer, tinha se preparado tanto para aquele momento, mas, agora estava prestes a fraquejar, sentiu uma lágrima correr por seu rosto, tinha que falar, precisava falar, era o momento, talvez o único, quiçá o ultimo:
- Eu ti amo. - Foi o que ele disse, simplesmente isso, três palavras.
- Porque isso agora? - Era uma pergunta justa. Julian pensou em mil respostas, mas nenhuma era convincente ao ponto de ser possível ser dada, então repetiu:
- Eu ti amo. - Desta vez ele falou com mais força na voz.
- Eu não sei o que dizer! – Uma lágrima teimosa quis correr pelo rosto, mas ela se conteve. – É tarde. Você está louco.
- Eu ti amo. – Ele teimou em repetir.
- Eu não ti amo. – Ela disse. – Pensando melhor acho que nunca te amei.
- Eu teeee amo. – Ele repetiu, dando ênfase ao te.
Ele ia entrar, tomá-la nos braços e beijá-la para que ela entendesse que ele a amava, mas uma voz grave ecoou atrás de si.
- Querida cheguei. - O homem passou por Julian que rapidamente limpou as lágrimas dos olhos. Por um instante teve vontade de chorar, brigar, espernear, mas não fez nada disso, apenas olhou enquanto o outro beijou os lábios que um dia ele tinha beijado.
Ele não tinha mais o que fazer. Virou-se e saiu lentamente. Ouviu em suas costas quando o outro perguntou:
- Quem é?
- Apenas alguém querendo informação.
Ele era agora apenas um alguém. Estava quase na rua quando ouviu as palavras dela uma última vez:
- Vem para dentro, filho.
Um instante de silêncio e a voz grave do homem:
- Vem filho. Julian vem ver o que o pai trouxe para você. Julian.