2017 - Mártir
Eu nunca estive tão frágil. Eu nunca estive tão machucado, tão vazio, tão impaciente, tão confuso, tão solitário, tão reservado, tão sensível, tão morto. Eu nunca estive tão magoado, pensativo. Eu nunca estive como estou agora.
Eu já não sei o que acontece comigo. Eu me sinto vivo quando estou a caminho da academia, da parada de ônibus, da quadra, mas me sinto morto quando estou a caminho de casa, do bar, da casa da minha garota.
Eu tenho feito tudo como eu sempre deveria ter feito. Estou estudando mais do que usual, treinando mais do que o meu normal, reservando-me como deveria ter sido sempre. Tornei-me mais responsável, mais focado, mais disciplinado. Tornei-me alguém que eu talvez devesse ter sido desde meus catorze anos de idade. Tornei-me quem eles sempre quiseram que eu fosse.
“Mudanças são necessárias”, eles disseram.
Esqueceram de dizer que, nem sempre, elas nos fazem bem. Não, não fazem e não, não me fez. Hodiernamente, eu mudei porque eu precisava e não porque eu queria. Eu já não suportava segurar uma lágrima para manter a pose de homem que eu talvez nunca tenha sido. Eu já não suportava segurar o mundo nas minhas costas e sempre estar lá, sorrindo, dizendo que tudo estava como o planejado quando tudo estava prestes a sucumbir. Eu já não queria ser o garoto que todos acreditavam escrever relações fictícias, tinha a vida perfeita, a garota que quisesse. Eu já não suportava ser aquele ser humano que todos olhavam com um olhar repugnante e ao mesmo tempo, brilhante. Eu já não suportava ser eu.
“Ah, mas tudo isso é culpa sua, quem mandou ser assim”, eles disseram.
Esqueceram de me perguntar se eu queria ser assim. Esqueceram de sentar comigo em uma mesa e olhar no meu olho, perguntar sobre o que eu era e não quem. Esqueceram de mim e por isso, estou assim – ou melhor, me tornei assim. Por vezes, os xingamentos direcionados a mim eram apenas palavras sujas que saíam de bocas sujas em direção a alguém tão sujo quanto elas. Sujo por dentro e por fora, assim estou.
“Deixa de drama, isso é só fase”, eles disseram.
Não é drama, não é fase, não é nada disso. Crise existencial? Passa longe disso. Eu estou frágil. Estou com medo como se fosse um copo de vidro e estivesse na mão de um senhor com Parkinson. Eu sou o copo que eles estão prestes a derrubar no chão e se estraçalhar pelo piso. A questão que fica é saber em qual piso eu iria me quebrar: no meio do centro da cidade, com milhares de pessoas passando e pisando em mim, machucando-as graças a mim ou num porão onde só meus parentes tivessem acesso e só eles pudessem se machucar. Eu nunca estive tão próximo de quebrar.
“Eu estou bem”, eu disse.
Eu estou bem... encaminhado. Encaminhado para algo que talvez não esteja aqui ou ainda não apareceu na minha vida. Talvez não faça tanto sentido estar aqui, não tem nada a ver com a vida. Eu estou perto de querer algo maior, algo que não sou capaz de explicar para ninguém ao meu lado. Eu não estou morrendo e talvez não seja a minha melhor saída. Eu não estou bem, é verdade, mas ainda não estou morto por completo. Ainda tenho um pouco de ar em um dos meus pulmões para aguentar tamanha pressão.
Eu caminho como se o dia nunca fosse acabar. Todo dia se tornou uma segunda-feira e todas as segundas-feiras são ruins para mim. Sempre foram. Para uns, é a chance de novos recomeços; para mim, é mais uma semana lutando pela minha própria sobrevivência.
Eu sou refém de mim mesmo. Minhas paranoias, pensamentos, surtos, medos, me aprisionam em um mundo que não é saudável. Meus familiares se preocupam comigo porque eu sempre estou lá, fora de órbita, pensativo demais, calado demais. Nunca sabem o que eu sinto, penso, quero, desejo. Nunca sabem o que me perguntar e muito menos o que me dizer. Raramente, chego em casa empolgado depois de algum acontecimento legal na minha vida e fico contando para a moça que trabalha na minha casa, para meus pais, minha irmã, só para ter o que dizer, só para saberem que naquele momento, eu estou feliz. Ás vezes, ligam; outras, não. Eu consigo entender. Eu sou como um visitante dentro da própria casa.
“Desculpa”, eu sempre disse.
Eu erro, machuco, magoou, o tempo inteiro. Eu machuquei quem eu amava, quem me amou e quem eu deveria amar. Eu machuquei quem me criou, me aceitou e quem me acolheu. Eu machuquei todos que estavam ao meu lado e tudo por conta de quem eu sou.
“Só escreve sobre coisas tristes, é tudo tão repetitivo”, eles disseram.
Será que conseguem entender o porquê de tudo e de eu ainda escrever?
Eu nunca estive tão perto de estar tão longe de todos que estão ao redor de mim. Eu nunca estive tão próximo de ser mais um que subitamente sumiria do mapa sem avisar. Eu nunca estive tão doente. Eu nunca estive tão preso no meu mundo imaginário. Eu nunca estive tão eu novamente. – J. Santos