Entre o céu e o chão - Ilusão - XLIX
Ainda me recordo daquele homem. Era uma noite qualquer de um dia qualquer e de um ano como os outros, ele se aproximou
calmamente de mim como se o vento já tivesse assobrado em seus ouvidos suas futuras tempestades e calmarias. Fitou-me.
Aprisionada em seu olhar coube-me apenas uma interrogação
imprecisa:
- Moço, que "cê" faz da vida?
Ele já havia percebido, ou por motivos desconhecidos já sabia, que minhas asas ainda eram frágeis e que elas ainda não tinham realizado nenhum voo altivo.
- Sou apenas um vivente, moça. Um vivente.
Com sua resposta tão desprovida de ego admirei-o por sua coragem de não tentar ser nada além do que era.
Vestia uma camisa preta e um jeans surrado, carregava consigo cigarros e um coração de poeta. No escuro da noite seguiu seu caminho solitário assobiando suas canções,eu segui o meu perdida entre sua voz e seu violão.
Para minha surpresa, numa manhã seguinte, aquele vivente propôs-me ser linha para que eu pudesse ver o céu do alto. Não tinha a coragem dele, tampouco sabedoria para acompanhar seus passos leves.
Não voei como propunha ele, mas andei a seu lado enquanto
os lobos estavam distraídos.
- Amo -te, menina; dizia -me tão suavemente.
Lamentavelmente ainda recordo que por covardia cortei a linha
que me fazia canção. Ele voou ao céu, aos abismos e ao infinito.
Quando alguém pergunta o que sou ou o que faço ironicamente respondo:
- Sou apenas uma vivente!