ROMANCE; A VITRINE (O som do silêncio)

O som do Silencio.

Quando você esta debaixo das asas dos pais, toda decisão parece ser bem pensada, pois se tudo der errado e os seus pais te amarem muito, você sempre terá um plano B, ou ao menos alguém para te abraçar e dizer que tudo vai acabar bem. Por 23 anos, eu era o único plano B na minha vida pelo menos até 2005, quando o destino me sorriu e eu conheci o Sr. Carlos Eduardo, a Sra. Leia, minhas Princesinhas: Emily, Erika e Melissa e aquela deusa transfigurada em uma mulher: Karoline. Mas existe algo que quase ninguém controla nas tantas margens de erro da vida, e não importa quantas voltas o mundo dê, não faz diferença o quanto você corra contra o tempo, os malditos fantasmas do passado, sempre voltam, e eles ganham força quando você toma decisões ruins, diante dos seus olhos você enxerga todos que te pisaram nos quilômetros percorridos até ali, no momento em que você comete um mínimo erro. Já se passara 7 meses após o acidente que eu sofrera, e em muitas ocasiões, o travesseiro da cama foi o meu algoz. Imperativo, despertando todos os meus pensamentos e lembranças sombrias, o mundo apenas se cala, e você ouve os gritos ensurdecedores do subconsciente. Com a partida da Karoline para São Paulo, os dias se prolongaram mais do que era possível suportar, e embora a Emily, Erika e Mel, fossem uma espécie de: "MENINAS SUPER PODEROSAS", sempre dispostas à salvar meu dia, elas não imaginam e nem poderiam saber o quanto eu estava desmoronando por dentro. Sempre que a porta de casa se fechava atrás de mim, o barulho da batida da porta me aniquilava. Eu havia sido forte a minha vida inteira, e agora todo o silencio do mundo que eu tanto quis, me jogava em uma masmorra de dor e cobranças. Era como se o tempo viesse cobrar impostos, dos tantos momentos ruins que eu superei e não contei à ninguém.

E falando francamente! Eu sempre fui um extremo de reserva e alto defesa. Não tinha nada a ver com o fato de a Karoline já estar longe de mim a 7 meses, e nem do fato das meninas terem viajado para Salinas, aproveitando o mês de férias tão merecidos. Esta bem! Eu admito que influenciou um pouco. E ter perdido tanta coisa naqueles últimos meses, me fez pensar o que eu estava fazendo da minha vida? É fácil julgarmos as pessoas por suas ações, quando não temos nem noção da voracidade das tempestades que cada um deles enfrentou. E sem duvidas a pior das prisões, é quando ela esta em você. Todos te olham e você vestes sorrisos que nem cabem no teu rosto, e ainda assim você os veste. É mais fácil as pessoas acreditarem que você esta bem, do que termos que justificar de hora em hora o porque das lagrimas.

Em junho de 2006, eu tive que lhe dar com um dos piores casos que eu já havia acompanhado no departamento de Necrópoles. Com o Sr. Carlos Eduardo, de férias com a família, eu assumira as atividades completas daquele setor, sempre é claro sob a supervisão do meu chefe, via telefone. E naquela manhã do dia 11 de junho de 2006, o destino resolvera lançar muita lama do passado no meu rosto. Nossa equipe saiu para remover um corpo de um garoto de apenas 9 anos que houvera sido encontrado próximo a uma carvoaria no Km 12, estrada que acesso à saída de Paragominas. A missão era remover o corpo e leva-lo até o IML de Castanhal para exames de necrópoles. Os policiais civis que já estavam na cena do crime tirando fotos e colhendo materiais para pericia, apontavam vestígios de estupro. Um filme passara por minha cabeça naquele instante, e não foi possível conter as lagrimas. Tudo o que eu queria naquele momento era encontrar o monstro que fizera aquilo e mata-lo! Olhando para o corpo daquele garoto no meio do mato, eu retornei aos meus 8 anos, quando minha misera infância, tivera sido arrancada de mim, com violência. Lembrava-me com clareza do sangue, da dor. Da humilhação, e de ter que ficar em silencio carregando comigo a violação do meu corpo, por não ter com quem contar. Mas o destino não estava me punindo, ele estava me provando que Paragominas, era um recomeço, naquela manhã, uma mãe seria avisada que não veria mais o seu filho, se não através e lembranças. Embora eu não tivesse para quem voltar após ter sido violentado na minha sombria infância, ao menos eu tivera a chance de sobreviver, superar e voltar para mim mesmo. Aquele havia sido o dia mais difícil em que eu trabalhei no setor de Necrópoles. Eu removi, e transportei o meu passado através do corpo de uma outra pessoa.

Eu tinha uma equipe sobre o meu comando e deveria ter sido forte, mas não fui. As estruturas por mais forte que sejam, com tempo precisam de reparos para não desmoronarem. E tudo o que eu havia feito até aquele momento, era carregar uma droga de fita durex imaginaria para cima e para baixo, remendando os meus pedaços. Eu precisava de antidoto, algo para amenizar a dor, levar o desespero que eu sentia naquele momento. Eu não houvera contado à ninguém sobre o que aconteceu comigo, carreguei o peso sozinho por 15 anos, eu precisava gritar, eu já estava farto do silencio. Era monstruoso ouvir o som do silencio me devastando por dentro. Ao chegar em Castanhal eu perdi o chão, não conseguia recuperar o meu equilíbrio, me tranquei no carro e chorei alto, esmurrei o banco com toda força. Eu queria um abraço! A Mel saberia me abraçar se estivesse ali, a Emily certamente iria segurar minhas mãos e me dar conselhos, chorar junto comigo. A Erika com certeza não me deixaria sozinho nem por um segundo, me traria agua, lembraria de alguma piada que eu contei e da qual ela gostou muito. Mas elas estavam a centenas de quilômetros dali, e eu não estragaria a alegria das férias delas, ligando para incomodar com aquele assunto. Lembro-me de liberar um grito de desespero dentro daquele carro, desafiar Deus a descer e me explicar porque ELE permite essas coisas acontecerem. Eu pedi um sinal, eu pedi força! Eu pedi coragem para descer do carro e encarar toda aquela dor, e eu acredito que ELE me ouviu. Após abaixar a minha cabeça sobre o volante do carro, o meu telefone tocou, eu não queria atender ninguém, eu não queria falar ninguém. Naquele momento eu odiava as pessoas, eu não queria saber de pessoas. Pois durante muito e muito tempo, tudo o que muitas pessoas fizeram foi NADA. Com receio de que fosse o Sr. Carlos, apanhei o celular e sem olhar para o visor, atendi. Eu juro que tentei disfarçar, mas todas as minhas mascaras de cara forte tinham caído, tinha acabado o carnaval. Eu era só um cara, fraco e destruído bem ali, do outro lado da linha. Havia mais soluço do que voz no meu falar, e do outro lado, ouvi aquela voz apreensiva e preocupada falar:

- (Karoline) Carf! O que esta acontecendo?

- Karoline? (soluços echoro)

- (Karoline) Sim Carf, sou eu. O que aconteceu? Me fala! Eu estou aqui, você não esta sozinho.

Eu desabei do outro lado da linha, pela primeira vez, eu narrei aquele maldito capitulo da minha vida, Karoline não falou muita coisa, na verdade ela ficara chocada e chorou muito, disse o quanto sentia e que em breve estaria em Paragominas e que as coisas se resolveriam. Com o jeito doce e apaixonante dela, ela me deu força, me incentivou e falou que eu era capaz de lhe dar com tudo aquilo. E foi justamente o que eu fiz, agradeci a ela pelas palavras, disse o quanto sentia falta dela, nos despedimos e eu sai do carro. Fui assinar os papeis e aguardar os exames. Os pais do garoto Gabriel, aquelas alturas já tinham sido avisados, mas pelo abalo emocional, certamente não chegariam a Castanhal e tão pouco saberiam como resolver toda aquela situação. Então mais uma vez, eu vesti as dores e emoções de alguém e fui fazer o que eu não consigo fazer para mim mesmo: Resolver problemas.

Tudo aquilo me trouxe uma reflexão imensa. Não importa o quanto você faça barulho, o quanto grite, o SOM DO SILENCIO sempre ecoará ensurdecedor dentro de você, até que você o encare e tome as rédeas da sua vida. Como diria um sábio Senhorzinho de 61 anos, que fez parte de 230 quilômetros da minha estrada de vida: "MESMO QUE O LIVRO SEJA RUIM, CONTINUE VIRANDO A PAGINA"

Hoje eu entendo o que ele me dissera: Todas as vezes que nos prendemos aos capítulos ruins, perdemos a grande chance de vivermos os bons capítulos seguintes.

#Continua

(Carf)

Hámilson Carf
Enviado por Hámilson Carf em 28/02/2018
Código do texto: T6266535
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