ROMANCE; A VITRINE (Voltando à estrada)
Capitulo XII
Voltando para Estrada.
Existe uma melancolia sórdida entre a vida e a morte. Um silencio e gritaria amedrontador. O silencio vem de sua fala querendo dizer o quanto ama e se importa com aqueles que te amam e estão ali, acontece que por mais alto que você grite, ninguém te ouve. Você esta sozinho, ali dentro e fora do seu corpo. A gritaria vem da dor, do desespero daqueles que te amam e sofrem sem saber que você esta ali, ouvindo, sentindo tudo. Se me fosse possível descrever esse estagio degradante, eu vos diria que: Os seus membros querem te sustentar, o seu pulmão quer encher de ar, o coração quer bater, mas sem as ordens claras do seu cérebro, tudo é simplesmente um grande vazio em um vale perdido. Eu já estava naquela situação a quase dois meses, e a duas semanas eu não via e nem ouvia noticias da Karoline. E é claro que eu não a culpava, ela era jovem, linda. Com um futuro brilhante pela frente. Mesmo que nós estivéssemos juntos a anos, eu não pediria para ela paralisar a vida dela por minha causa.
Durante esse tempo ali desligado do mundo, minha maior dor foi sentir de novo o abandono que vivi e senti nos últimos 24 anos da minha vida até ali, mas dessa vez doía mais, pois eu tinha pessoas que me amavam e se importavam comigo, mas não podiam parar suas vidas para ver a minha vida parada naquela cama de hospital. Seria cômico se não fosse trágico, exatamente no dia 2 de novembro, dia dos finados, eu decidira despertar. O cérebro havia pedido dois mês de férias, mas voltou a ser o bom e grande líder do meu corpo. Já era um costume na minha vida, ver estranhos comemorando minhas conquistas, enquanto em outros casos, é a família quem comemora. Médicos, enfermeiros e funcionários do hospital comemoravam enquanto eu timidamente abria os olhos. Eu não estava sendo ingrato, eu juro! Mas minhas primeiras palavra foram: COMO FAÇO PARA SAIR DAQUI? Todos vieram ao quarto me observar, eu era uma espécie de milagre entre eles, um dos enfermeiros mais brincalhões ainda chegou a comentar em tom de alegria:
- Voltou o nosso "Ave Fênix"
Eu ainda passei dois dias sobre observação e fazendo alguns últimos exames. Sabe quando você lê um livro e de repente esquece de marcar a pagina onde você parou de ler pela ultima vez? Eu me sentia exatamente assim, pra mim tudo tinha parado e eu não sabia como me encontrar naquele contexto. E também não havia ninguém me esperando, era somente eu e os meus questionamentos. Recebi alta no dia 4 de novembro, mas como voltar? Para onde ir? Descobri naquele ano que embora você se desligue por alguns meses, as contas continuam em alta voltagem. Eu despertei de um "sono" devendo dois meses de aluguel, parcelas de um carro que nem existia mais, ou pelo menos não tinha utilidade alguma a não ser para o Sucatão, sim era o fim da Dama de Vermelho. Fiquei sentado em frente ao hospital, olhava para o nada e imaginava o quanto o destino estava sendo cruel naquele castigo. Em meu bolso não havia nada, lembro-me de ter faturado nos 3 dias em que trabalhei na semana da AGROPEC, dois mil e quinhentos reais, isso sem incluir as corridas da viagem que fiz, porem nada mais existia. Parte do dinheiro roubado depois do acidente, é perturbador descrever algo assim, mas onde há tragédia que se possa lucrar alguma coisa, lá esta a banda pobre dos brasileiros. Levaram tudo o que restou, em minha bolsa havia apenas os meus documentos, e alguns trocados.
Em uma de suas viagens a Belém, o Sr. Carlos, deixara algumas mudas de roupa no hospital pra mim. E foram elas que salvaram-me de não sair pelado de lá. Eu gostaria de narrar que eu voltei com alguém para Paragominas, mas não foi possível. Utilizei aqueles poucos trocados para pagar a minha passagem de ida até Paragominas, eu não fazia ideia de como as coisas estariam, ou pelo menos naquele momento eu não queria pensar em nada que não fosse chegar em casa e descansar. Eu poderia ter ligado para a Karoline ir me buscar na rodoviária, mas minha memoria andava falhando, e uma das coisas que levaram no dia do acidente, foi o meu aparelho celular. Eu cheguei exausto em casa, com fortes dores de cabeça. Não lembro de muitas coisas naquela noite, apenas que eu apaguei e entrei em coma novamente, desta vez um coma de descanso. mais dois dias isolado no apartamento em que eu houvera alugado e só então dei as caras na rua. De pronto, apesar da situação ruim, era papel do dono da hospedagem, me cobrar o aluguel. Eu acredito que senti na vida real, o que o pobre do Sr. Madruga sentia na ficção. Pedi uns dias ao Sr. Jaime, para poder resolver tudo. Algumas grandes conquistas, eu tive que ver sendo levadas da minha vida. O terreno comprado e quitado a poucos meses antes do acidente, foi vendido para quitar as parcelas restantes do meu carro. O carro foi vendido à um sucatão próximo de Castanhal. Eu estava voltando à estrada da vida, com muitas perdas. Era um valor alto, mesmo para mim, tão acostumado com perdas. Eu não poderia me dar ao luxo de desistir agora, afinal a maior de todas as minhas riquezas conquistadas estavam ali, me apoiando em orações, em carinho. Emily, Erika e Melissa. Eu não sabia nada sobre a Karoline, e nem estava em condições de ir vê-la na fazenda. Talvez ela nem estivesse em Paragominas. De qualquer forma, eu tinha que falar com ela, tentei contato, mas o telefone só chamava. por causa de alguns problemas como falta de ar, dores fortes na cabeça, passei umas duas semanas na casa da família Galvão, a pedido do Sr. Carlos e é claro, com muita insistência das três princesinhas. Fui muito bem cuidado, as meninas eram mega atenciosas e estavam atentas a tudo de anormal que eu apresentasse. Alguns dias mais tarde e eu já apresentava melhoras, me dispunha a ajudar nas tarefas domesticas, e uma de minhas ajudas preferidas era levar as meninas na escola, e exatamente por conta desta tarefa eu tive o meu primeiro contato com o "Gasparzinho", uma simpática pick-up strada adventure 2004, na cor branco. Ela era a guerreira que transportava os presuntos(defuntos), de outros municípios para Paragominas. Eu levava as meninas na escola todos os dias, nosso laço familiar ficou ainda mais forte, nada mais nos separaria. Diante das minhas dificuldades financeiras, o Sr. Carlos viu a grande oportunidade de ter o seu Assistente Administrativo. Ele me encorajou a participar de um processo seletivo, que contrataria 32 pessoas para o quadro de funcionários temporários do município de Paragominas. Me ajudou a estudar e é claro, que eu compensei todos os esforços do Sr. Carlos. Passei no mês seguinte a compor o quadro de funcionários da Prefeitura, com um cargo ao qual poucos se atreveram a querer: Auxiliar Administrativo do departamento de Necrópoles. Eu não tinha traumas a respeito de pegar a estrada e seguir para qualquer lugar do Estado. Em pouco tempo eu já era o braço direito do Sr. Carlos, resolvia os problemas relacionados ao nosso setor, enquanto ele estava fora. De certa forma ele respirava um pouco mais aliviado. Tudo isso foi enriquecendo ainda mais a admiração da família Galvão por mim. Trabalhar com o Sr. Carlos, foi a maior experiencia para eu decidir posteriormente, que carreira profissional seguir: Ser um Profissional de Secretariado Executivo. Mas essa é uma outra historia. Em uma de minhas idas e vindas ao cemitério, encontrei a Fernanda fazendo compras em uma loja do centro, não pensei duas vezes, parei o carro e perguntei sobre a Karoline. Fernanda me abraçou, disse que o quanto sentia por meu acidente e que estava torcendo muito por mim, e depois falou que a Karoline havia viajado para São Paulo. Munido desta informação, me despedi da Fernanda, e ao chegar aos escritório do Cemitério, liguei o computador acessei meu e-mail, tentei contato com a Karoline via mensseger, sem respostas, só consegui falar com ela no final de dezembro, através do ORKUT. Ela ficou muito feliz em receber noticias minhas, que eu havia me recuperado, falou que estava com muitas saudades e que precisava muito conversar comigo, eu só conseguia pensar nos milhões de sermões que ela iria daria por conta daquela noite do acidente. Vi através das fotos do ORKUT, que ela tinha retirado o aparelho dos dentes e cortara o cabelo. Estava diferente da Karoline que eu conhecia, mas continuava maravilhosa, alias aquele corte de cabelo, valorizou ainda mais o rosto dela, o sorriso era hipnotizante. Nós não tivemos tempo de conversar muito, ela estava indo para a faculdade e eu acabara de receber minha primeira missão fora dos muros do cemitério. O Sr. Carlos estava em missão em uma fazenda ao sul de Paragominas, um corpo havia sido localizado no meio da mata, já tinha pelos menos uns 6 dias de morto, e havia dois corpos no IML de Castanhal que deveriam ser removidos e trazidos para Paragominas, eu era o escalado do Sr. Carlos para esta missão, e é claro que eu não iria decepcionar o meu "pai" e chefe. Abasteci o Gasparzinho por volta de umas 17h55min e parti rumo a Castanhal, era a minha primeira viagem dirigindo novamente, após o acidente, mas nada além de emoção e satisfação passavam por minha mente. Cheguei em Castanhal as 20h02min, devido a grande burocracia no IML para a liberação e expedição das guias de autorização de translado dos corpos, eu sai de Castanhal por volta de 01h24min. Sinceramente, se a cabine não fosse fechada e isolada da carroceria do Gasparzinho, eu teria tido um infarto.
Super corajoso e machão que sou, retornei à Paragominas com os dois "presuntos". Mas como sempre trabalhar com gente morta é sinistro, em um trecho entre Guamá e Mãe do Rio, Gasparzinho decidiu furar o pneu traseiro. No meio do nada e da escuridão, com mata para todos os lados, tudo o que eu queria naquele momento ERA A MINHA MÃE parceiro! Expressão um tanto piadista para a ocasião, mas NEM MORTO eu iria lá fora trocar o pneu. Tranquei as portas da estradinha corajosamente e ali fiquei orando para que Deus enviasse um Anjo, para me socorrer. De preferencia um Anjo VIVO com experiencia de pelo menos 10 anos em combate a ataques zumbis. Nem sempre Deus nos atende da forma como pedimos, mas sempre atende. Uma viatura da P.R.F passou pelo local, parou e os policiais vieram ao meu encontro, mostrei para eles o quanto eu era corajoso e também sai do veiculo. Conversamos, entreguei os documentos para verificação, e fui liberado. Porém pedi ajuda a eles, fingi que não tinha um "macaco" (Ferramenta usada para erguer o carro), e solicitei o deles, claro! Estratégia para mantê-los ali até eu trocar o pneu do carro. Não que eu estivesse com MEDO, claro! Mas sim porque é gratificante trocar o pneu de um carro quando têm pessoas olhando. (Risos)
Enfim, tudo resolvido e eu retornei à Paragominas. Porque para mim, "missão dada, é missão cumprida"...
#Continua
(Carf)