FILOSOFIA DA VIRADA
Nenhum homem entra num rio duas vezes. Na segunda vez o rio não será o mesmo, ele será também memória, será garça branca em rodopio, será frio. E o sol, sobre os olhos do homem, brilhará tanto que tudo parecerá uma fotografia em um mês de maio longínquo.
Talvez por isso, o menino Augusto Francisco, todo final de ano, no dia 31 de dezembro, guardasse consigo, um vidro de perfume cheio de água retirada da pia do banheiro em que registrava um rótulo: “1986”. E no ano seguinte: “1987”; depois “1988” e assim águas de toda a década em que perdurou sua adolescência, até 1997, quando se esqueceu do ritual.
Augusto Francisco morreu atropelado no fim de 2002. Um dia a sua mãe, já idosa, encontrou em uma gaveta do quarto do filho, todos aqueles vidros. Ficou olhando os rótulos, olhando a doidice, olhando até decidir desengarrafar o menino daqueles anos. Abriu o box do banheiro, jogou as águas ali e deixou Augusto Francisco seguir de vez no rio do seu chuveiro.
DO LIVRO: ÓBITOS EM COPACABANA