SEPARAÇÃO II
Ele pega a mala azul e gasta que está embaixo da cama. Suas mãos tremem. Ele caminha até o guarda-roupa e retira a maioria das suas roupas que estão lá, sem o maior cuidado as jogam em cima da cama. Fico parada no batente da porta sem saber o que dizer. Ou se há algo que eu possa dizer. Ele parece transtornado. Fora de controle. Prestes a explodir. E a culpa é minha. Ele pega dois pares de sapatos que estão do lado da cômoda. Parece que esqueceu os que haviam dentro do armário. Mas não digo nada. Ele os coloca juntos com as roupas e vai em direção ao banheiro. Escuto algumas gavetas serem abertas e fechadas com força. Provavelmente está a procura de sua escova de dentes. Quase lhe digo que está dentro do box do banheiro mas me contenho, provavelmente olhará lá. Ele retorna ao quarto apenas com seu aparelho de barbear (e sem escova de dentes). Joga tudo dentro da mala sem a menor vontade de organizar qualquer coisa. E então vira pra mim. Ainda estou no batente da porta. Apenas observando. Seus olhos me suplicam para que mude de idéia mas não posso fazer isso. Há alguns meses ele havia tocado no assunto mas não achei que ele levaria a sério, pelo menos não agora. Ele passa por mim com a mala em mãos. Ele realmente está indo embora. O sigo sem saber bem o que fazer. Ele pega as chaves do carro que estão na mesa de centro e vai em direção a porta. Suas mãos tocam a maçaneta e ele vira pra mim. Acho que está me dando a chance de voltar a trás mais uma vez mas não vejo como. Não se pode forçar alguém a querer as mesmas coisas que você. Ele olha o apartamento em volta. Há flores por todos os lados e o cheiro de uma comida recém preparada está invadindo o lugar. Meu prato favorito. Achei que ele apenas quisesse me fazer um agrado, não pensei que a noite fosse terminar assim. Ele parece determinado em grudar cada parte daquele lugar na memória e acho que eu também. Algo passa pela cabeça dele e volta a mesa de centro, acredito que para pegar alguma coisa, mas não há nada ali, nada, a não ser que... Não, ele não fará isso... Ele se inclina e pega nossa foto que está no porta-retrato. Aquela foi uma viagem incrível. Nada nunca será tão bom como Paris. Volta a caminhar em direção a porta com a mala e a foto em uma das suas mãos e as chaves do carro na outra. E dessa vez ele vai, sem fazer muito barulho, ele fecha a porta. Fico parada em meio a nossa sala... Quer dizer, minha sala. Esperava que fosse desmoronar a qualquer momento mas estou anestesiada, não sinto nada. Vou para a cozinha e desligo o forno. Sempre gostei de quando ele cozinhava. Possuía uma facilidade que nunca tive. Sento na mesa organizada de forma impecável. Ele havia escolhido um bom vinho. Meus olhos focam algo em específico que está ao lado da taça. Ele deve ter esquecido. Ou talvez quisesse que eu ficasse com aquilo de qualquer forma. Uma caixinha de veludo pequena. Pego em minhas mãos. Muito leve, muito simples e ainda assim tão esmagadora. Abro e lá está a razão de eu estar sozinha no meu apartamento. A razão de eu estar com meu coração partido no momento. A razão de ao invés eu ter dito sim, eu disse não. E sem nem ao menos eu saber o porquê.