Vida rural
Lembro como se fosse hoje, acordei com os cocás cacarejando no quintal, me estiquei, abri os olhos e olhei para o teto, lá estavam duas aranhas imóveis, nada abalava elas. Um tanto peculiar.
Senti uma baita preguiça de levantar da cama, puxa, era domingo. Eu não costumava ser preguiçoso, mas o sono daquela noite foi tão reparador que acabei tendo preguiça.
Sentei na beira da cama e assim como a personagem dos x-man o perfume do café coado atravessou as paredes do meu quarto. Tão convidativo.
Banhei, escovei os dentes, calcei os chinelos e fui direto pra cozinha onde minha tia estava tirando a coalhada da geladeira. Cumprimentei-a:
-Bom dia tia.
-Bom dia Lucas. Depois do seu café, tu pode pegar os ovos no galinheiro pra mim?
- Ôxi..vô sim.
Desci os 3 degraus da escada da porta e fui andando em direção ao galinheiro.Costumava fazer isso descalço.
Sabe, fui criado pela minha tia e todas as minhas referências de família eram ela, como ela não se casou eu era a única criança ali. Brincava com os bichos da chácara, bolava pelo chão e era lambido pelos cachorros que em situação de perigo eram meus guardiões.
Voltando...a grama estava molhadinha tipo orvalhada, era tudo verdinho...minha tia cuidava dos bichos, do galinheiro e cultivava uma horta grande, ela era doméstica na casa de uma casal que herdou a chácara tornando-se os donos e passavam os feriados e alguns finais de semana lá.
Ela cuidava de tudo com tanto carinho, me ensinou a ser bom com os animais que gratuitamente confiavam na gente..comiam grãos na palma das nossas mãos...
Tínhamos pato, ganso, galinhas, cachorros, gato e um tucano que costumava comer as cascas dos ovos que eu deixava secando em cima do canil só pra ver o laranja do seu bico de perto.
Lindo!
O trabalho era diário! Por comida, água pros animais, varrer o chão colhendo as folhas secas das mangueiras, molhar a horta, pregar cercas e etc..esse trabalho braçal não me deixava tão cansado, tornava-se ínfimo porque lá tinha muito amor, muita paz.
Já voltando com os ovos nas mãos ela gritou de lá:
-Lucas! Você vai derrubar esse ovos! Porque não pegou uma vasilha?
-Eu dou conta tia!
-Deixa eles na mesa, eu vou fazer um bolo.
Daí o portão se abriu, um carro adentrou, era o Sr. Fernando e a sua esposa.
O Sr. Fernando era um homem beirando os 40 anos, tratava minha tia com muito carinho pois ele costumava ir pra lá nas férias com os avós dele que foram os antigos donos, mas sua esposa, olha... só posso dizer que era mais jovem que ele e muito esticada, pra dizer, metida.
Ele buzinou e estacionou, nos cumprimentamos e fui avisar minha tia da sua chegada.
-Lucas eu já sabia que eles viriam, vão receber uns amigos aqui. Vc pode prender os cachorros?
-Tá.
-Vai jogar bola hoje?
Não tia, tenho trabalho da escola.
-Hum, vou passar o dia por lá se você precisar me chama, deixei comida pronta pra você. Ah! só lembra de olhar o bolo.
- Com certeza.
Minha tia desceu as escadas sorrindo, e essa lembrança eu terei comigo pra sempre.
A esposa do Sr. Fernando trouxe com ela várias louças, coisa bem chique e ordenou que ela deixasse a mesa aconchegante e bonita, mas estava do lado com muitas recomendações e pedidos que minha tia ficou nervosa, eram muitos "sim senhora" e "não senhora".
Os convidados chegaram e minha tia estava na cozinha, entupida de salgados e taças. Daí ela e a esposa do Sr. Fernando se desentederam na cozinha, a minha tia se virou pra pegar os salgados e a panela de óleo virou por cima de seus braços queimando-os.
Tamanho foi o ferimento que ela desmaiou.
Minha tia daquele dia em diante adoeceu, pois ela já não podia mais cuidar da chácara como antes, aspirava cuidados, além da queimadura sua alma adoeceu e de tristeza ela morreu.
Ainda de luto eu fui arrumar suas coisas em caixas, sentei; pra ver suas fotografias, vi meus trabalhos da escola que ela guardava e um envelope enrolado em um tule. Abri e eram muitas cartas.
Eram cartas da minha mãe.
Eu li todas e pela última peguei o endereço e fui até ela.
Ela morava na cidade no distrito federal em torno de Brasília, cheguei e me recebeu muito bem, muitos sorrisos e abraços, apesar da notícia que lhe dei ela não demonstrou muito pesar.
Fez um café, mas não era um café com o mesmo aroma dos que eu costumava acordar.
Então ela me contou toda a história da sua vida até o meu nascimento.
Eu que ouvia da minha tia, já sabia daquilo tudo, mas ver uma mulher estranha e chamar de minha mãe era muito novo, muito confuso.
Passei um mês com ela, saía na rua conheci seus vizinhos, convivia bem com seu marido e seu filho, um irmão menor muito esperto que virou meu amigão.
Mas não me adaptei ali na cidade, via muitos bichos na rua sem dono, não tinha sequer um pé de planta pra se fazer um chá, remédios eram caros, verdura e carne você tinha que optar por um ou outro, os vizinhos brigavam pelo uso de um simples tanque, os bares cheios de pessoas que bebiam pra ficar feliz ou pra afastar a tristeza. E tudo girando em torno do dinheiro.
Então liguei para o Sr. Fernando, conversamos, ele me pediu pra deixar a chácara, ia pôr um casal pra cuidar de lá contratados por sua mulher.
Voltei e vendi tudo da casa, fiquei com o álbum de fotos da minha tia e uma mala com meus pertences. Me despedi dos animais e olhei pela última vez aquela vista.
Deixei a chácara com a lembrança da minha tia sorrindo, descendo os degraus da nossa casa.
Por isso vivemos aqui no campo, onde optei criar você filho, e eu te mostro essas fotos e conto pra você que um dia uma boa mulher existiu e por causa dela eu tento ser um bom pai pra você.
-Pai, eu sei, vc é o melhor pai que eu poderia ter.