Para Sempre - A Escolha (Capítulos 1 e 2)
Olá. Aqui é Alan Rodrigo. Ontem eu publiquei a introdução do livro A Escolha, o 1º livro de uma série infanto-juvenil chamada Para Sempre. Se gostou, não deixe de acompanhar os próximos capítulos. Fiquem agora com os capítulos 1 e 2. Novos capítulos a partir de amanhã.
"Uma excelente leitura à todos!"
CAPÍTULO 1 - MUDANÇA DE ARES
> MEU NÃO TÃO QUERIDO DIÁRIO <
Londrina, 11 de Maio de 2012, 10:37 A.M.
Olá, diário. Adoraria dizer que está tudo bem, mas você e eu sabemos que isso não seria verdade. Se bem me conheço, sou péssimo em contar mentiras e esse "está tudo bem" não convence nem a mim mesmo.
Muito bem. Estou sentado em meu quarto escrevendo em um caderno de capa rasgada e folhas amareladas que chamo de Diário, apesar do nome não fazer muito sentido, pois não quero mais escrever nele. Novidades? Nenhuma. O dia hoje amanheceu do jeito que achei que amanheceria, chovendo e pálido, sem graça alguma. Às vezes acho que deveria ter nascido em um filme de comédia às avessas! Sabe, drama de mais, comédia de menos e um teor de loucura fora do padrão.
Minha vida nunca mais foi a mesma desde que encontrei aquele envelope com o nome do meu melhor amigo escrito atrás e uma carta de despedida dentro. Quero esclarecer que não sou de ficar choramingando pelos cantos. Prefiro sempre ter dois tipos de comportamento quando isso acontece: ou fico calado esperando o desânimo passar ou arregaço as mangas e tento entender o que anda acontecendo no mundo. Mas naquele dia eu fraquejei. Quando reli a mensagem, lágrimas rolaram sem que eu percebesse. Torci para que não fosse verdade, para que aquilo fosse uma piada de mau gosto, mas então lembrei do silêncio que rondava a casa naquela manhã e das marcas de pneus que dobravam a esquina e me convenci de que nunca mais vou vê-lo.
Às vezes, me pego chorando ao lembrar das coisas que perdi, da amizade que nos manteve juntos nas horas boas e ruins, e a qual eu considerava tão sólida e indestrutível como uma rocha. “Mas infelizmente nada nessa vida dura para sempre. Nem as dores, nem as alegrias. Meu pai costumava dizer que certas coisas vão embora das nossas vidas de qualquer jeito, por mais que queiramos retê-las para sempre”.
Meu pai...
O aniversário dele seria na primeira semana de Maio. Mas infelizmente a vida não foi tão generosa com ele, e não lhe concedeu a chance de comemorar mais um ano de vida. Faz dois dias que ele pegou o expresso sem volta, e eu não consigo me conformar. Não consigo aceitar o fato de ter perdido quem eu mais amava na terra. Sinto uma raiva profunda da vida, e ao mesmo tempo fico parado esperando o próximo golpe.
Sem o papai para nos ajudar e com a mamãe desempregada (ela foi despedida por chegar atrasada no dia em que levou nosso Golden Retriever ao veterinário), não tivemos outra alternativa a não ser nos mudarmos para a casa da vovó (uma mochileira nata), que mora no Paraná.
Decolamos na manhã do dia 28 e desembarcamos em Londrina uma hora depois. Chegamos lá pelas 11h25, com fome e sede, porque em trechos domésticos a American Airlines não oferece nem um copo d’água!
Desde então, minha vida nunca mais foi a mesma. E tenho a terrível sensação de que as coisas irão piorar bastante.
Passei as duas primeiras semanas totalmente desocupado, sem nada para fazer além de ver TV e escrever no “Meu Não Tão Querido Diário”. Mamãe está muito preocupada comigo (típico). Ela quer que eu volte à minha vida normal (estudar, se divertir, fazer amigos... essas coisas), ou pelo menos tente. Mas não estou muito confiante em relação a tudo isso.
“Se eu pelo menos tivesse uma razão para seguir em frente. Não tenho escola, nem amigos, nem motivos para sair do quarto. Estou preso em um lugar onde todo mundo é estranho e onde com certeza nunca vou me adaptar.”
Cansada das minhas reclamações, Érica bateu com o punho na mesa e falou decididamente:
“Já chega! Amanhã vamos embora!”
“Não acho que seja necessário, mãe. Só preciso de um tempo. Tudo é muito complicado. Meu pai morreu e eu ainda não consigo imaginar como minha vida vai ser daqui para frente. Por favor, me dê um tempo. É tudo que preciso no momento.”
Mas pareceu que ela não estava ouvindo nenhuma palavra do que eu estava dizendo. Ela deu meia volta na direção da porta, falando em voz alta:
“Faça suas malas! Amanhã mesmo vamos para São Paulo! Ah...” Jamais me esquecerei desse “Ah!”. Me assustei para valer. “Você vai para um internato!”
CAPÍTULO 2 - PASSEIO PELA CIDADE
Londrina, Maio de 2012
Levo a noite inteira numa fatigante batalha com meu cérebro de ervilha para tentar entender por que, diabos, minha mãe decidiu fazer isso comigo. Por mais que eu tente, não consigo encontrar motivos suficientemente justificáveis para ela de repente querer me mandar para um internato. Talvez esteja me castigando por algo errado que eu provavelmente tenha feito. Mas, estranhamente, não consigo me lembrar de nada.
Não me lembro de tê-la desobedecido. Pelo contrário. Sempre fui – e ainda sou – um garoto obediente, e na escola sempre tiro notas que variam entre 7 e 8. Nunca repeti o ano e também nunca fiquei depois da aula. Jamais cheguei a lugar nenhum sequer um minuto depois do horário estabelecido e sempre fui um espectador assíduo até mesmo das aulas mais chatas que podem haver.
Passo a noite em claro, e quando finalmente amanhece, percebo que troquei um problema por outro. Estou exausto como nunca estive e alguma coisa parece estar bloqueando minha audição. Ouço alguém gritar, mas o grito parece estar a léguas de distância e eu não consigo entender uma mísera palavra. De repente, a porta do quarto vem abaixo. Quase caio da cama. É quando vejo Érica entrando com seu rosto bonito retorcido pela raiva que me lembro que tranquei a porta por dentro.
– Graças a Deus! Você está vivo! – diz ela, ofegante. – Você não estava me escutando? Eu tive que entrar que qualquer jeito! Quer me explicar por que se trancou?
Fico calado, olhando para o chão.
– Meu filho, você tem que tomar uma decisão. Você não é mais uma criança.
Meneio a cabeça em concordância. Mas o que eu posso fazer? Pode onde posso começar?
– Temos que conversar seriamente. Isso não pode continuar assim. Mas primeiro, vamos tomar café. Sua avó preparou panquecas. Eu sei que você adora.
Em outras ocasiões, eu teria descido correndo e comido panqueca até não aguentar mais. Mas agora, por motivos de força maior, me recuso a sair do quarto. Não quero sair da cama. Não quero fazer nada. Não quero viver.
– Tudo bem. Posso me sentar aí?
Balanço a cabeça outra vez.
– Bom... – Érica está procurando as palavras certas. Minha mãe é o tipo de pessoa que pensa com muita cautela antes de dizer qualquer coisa. – Sei que a situação que você está passando não é fácil. Acredite, não é fácil para mim também. Sou igual à você. Hipersensível. Acho que isso é hereditário. Bem... Acho que o que estou tentando dizer é que você tem todo o direito de ficar triste pela morte do seu pai. A vida dele foi interrompida. Ele era jovem e tinha um futuro à sua frente. Tinha planos. Quando você terminasse o ensino médio, nós três faríamos uma viagem inesquecível para o Havaí. Ele vivia dizendo isso, lembra? Dizia que ia se arriscar a pegar uma onda com Kelly Slater, embora soubesse que não conseguiria ficar de pé numa prancha nem mesmo por dois segundos...
Ela se cala. Olho para ela e percebo uma lágrima escorrendo do seu olho esquerdo.
– Desculpe... Como eu estava dizendo, seu pai era um sonhador. Mas como nunca sabemos o dia de amanhã, aconteceu algo inesperado. Seu pai ficou doente e...
– Mãe, pára!
– Não. Deixe-me falar, ok? Seu pai morreu, é verdade. Não podemos fazer nada. Não por ele. Sua vida acabou, mas a nossa continua. Temos uma vida inteira pela frente. Você tem uma vida inteira pela frente. Acha que ele ficaria feliz em te ver preso neste quarto o dia inteiro, em vez de viver a vida que te espera lá fora?
Essas palavras atingem meu coração como lanças pontiagudas. Sou forçado a admitir, bem lá no fundo, que ela tem razão.
– Pode parecer irônico, mas no dia em que seu pai morreu, por um segundo pensei em desistir de tudo. Desistir do meu emprego. Desistir da vida. Desistir de mim. Mas aí eu lembrei que havia um motivo pelo qual eu deveria continuar vivendo.
Ela olha no fundo dos meus olhos. A resposta é óbvia. O motivo sou eu. Aquilo desperta o meu lado infantil, e começo a chorar como uma criança que deixa o sorvete derreter.
– Naquele momento eu soube que não podia desistir. Eu ainda tinha você. Tinha o Spike... – esse é o nome do nosso cachorro. E, como se tivesse adivinhado que falávamos dele, ele entra no quarto, ganindo e olhando para nós com aqueles olhos pidões. – E também a herança do seu pai. Por isso não pensei duas vezes em tentar nos dar uma vida nova. Me desculpe se falhei.
Sabe aqueles momentos em que um sentimento de culpa nos dá uma pontada? Bem, este é um desses momentos. Ainda não tinha percebido como estava sendo egoísta. Nem sequer parei para pensar em como minha mãe deveria estar se sentindo. Perdi o meu pai. Mas não era só o meu pai. Era o grande amor da vida dela. Os dois eram como unha e carne. Viviam grudados um no outro como adolescentes apaixonados. Eu adorava vê-los juntos. Era a parte boa de voltar para casa. Vê-los sentados no sofá, abraçados, assistindo ao Telejornal ou simplesmente fazendo companhia um ao outro, demonstrando o quanto se amavam.
– Me desculpe, mãe. – Não sei o que dizer. Mas acho que lhe devo desculpas. – Eu... Veja bem...
– Não precisa dizer nada. Eu entendo. Mas não se esqueça do que eu falei. A vida continua. Estamos nessa juntos, ok? Lembre-se que pode contar comigo sempre. Afinal, é para isso que servem as mamães, não é verdade? – Depois de duas semanas tentando, ela finalmente consegue arrancar um sorriso do meu rosto pálido e cansado. – Mas agora, falando sério, você precisa tomar uma decisão. Há um futuro à sua frente e o mundo só está esperando que você dê o primeiro passo. E o primeiro passo é... se levantar dessa cama, tomar uma ducha e sair um pouco.
– Quer dizer, andar por aí?
– Sim. Vamos dar um passeio pela cidade. Vou te levar para conhecer alguns lugares. Tenho certeza de que vai adorar descobrir lugares novos, gente nova e, claro, uma culinária totalmente nova.
– Fala sério?
– Claro que falo sério.
– Quer dizer que não vamos embora?
Ela fica me encarando em silêncio.
– Bem, depois falamos disso. Agora vá se aprontar. Te espero lá embaixo. E não demore.
Faço o que ela manda. Meia hora depois, estamos a caminho do Cafeterix.
Aproveitando que a temperatura está agradável, vamos caminhar pela avenida. Há um gostoso perfume de flores no ar e as pessoas na rua sorriem ao passar por nós. Tento sorrir a fim de retribuir a simpatia, mas não consigo. As preocupações são tantas que sorrir parece ser a última coisa que eu conseguiria fazer neste momento. Apenas faço um gesto positivo com a cabeça.
À esquerda, podemos avistar o Bristol Residence Hotel, localizado a pouco mais de dez minutos do Aeroporto de Londrina, e também do Terminal Rodoviário José Garcia Villar. O complexo em si é um conjunto de apartamentos compostos por uma cozinha equipada, TV a cabo e guarda-volumes. Neste local os hóspedes podem desfrutar de uma piscina no terraço que proporciona uma vista panorâmica da cidade.
Além da piscina, as instalações deste hotel de 4 estrelas incluem uma academia, salões de jogos e uma sauna. Próximo ao hotel há também muitas opções de bares e restaurantes, bem como a Praça Marechal Rondon, que possui uma vasta área verde, ideal para a prática de caminhadas e corridas.
Continuamos o passeio. Em cada edifício, em cada esquina, paramos para admirar a riqueza do lugar. Percebo que estamos rodeando as paredes da Catedral Metropolitana de Londrina, um templo em forma de chalé que pertence à Igreja Católica, o qual pode ser visto de diversas partes da cidade.
Ainda tenho muitas perguntas para fazer, mas, para meu espanto, este passeio agradável está me fazendo esquecer dos porquês da vida. Vendo minha mãe sorrindo, falando tudo a respeito dos lugares por onde passamos, digo a mim mesmo que de forma alguma irei estragar este momento com minhas perguntas frequentes.
E finalmente vamos ao muito falado Cafeterix, nosso destino para o almoço. O local está lotado, um bom sinal. Há garçons servindo pratos caseiros e fazendo propaganda de seus sabores localmente inspirados que certamente irão seduzir todo e qualquer paladar.
Érica pede um Estrogonofe de Frango para ela e, para mim, um Yakisoba de Lombo. O cheiro está tentador. Não resisto. Comemos e, depois, ficamos algum tempo admirando a beleza do lugar.
– Está gostando do passeio? – pergunta Érica, um pouco nervosa.
– Está ótimo. Obrigado por me trazer.
– Não me agradeça. Para ser honesta, fazia muito tempo que não saíamos juntos, não é mesmo?
– É – concordo. Quando criança, livre das tarefas escolares e domésticas, eu me preocupava somente em encontrar um amigo para brincar. Mas conforme fui crescendo, a preocupação nos rostos dos meus pais em relação às dificuldades pelas quais passávamos e as consequências que elas trariam para o meu futuro se tornou cada vez mais visível. Nossas condições financeiras nos permitiam ter de tudo um pouco, e sobre isso não havia muito o que discutir. Mas quando o assunto era “férias”, “passeio” e “entretenimento”, eles se entreolhavam sem saber o que dizer nem que decisão tomar.
– Nesses últimos dias a nossa vida têm sido uma verdadeira correria. Eu me preocupei em te dar uma vida... hã... diferente da qual estávamos acostumados. Sabe, naquela época as coisas eram bastante difíceis. Não tínhamos tantas oportunidades como temos hoje. Na verdade, estava preocupada se hoje ia correr tudo bem. Mas ainda bem que deu tudo certo. Fico feliz por você estar feliz. E quer saber mais? Prometo que, a partir de hoje, faremos passeios com mais frequência. Ainda há muitos lugares para conhecer e teremos bastante tempo para isso.
Percebo que ela está tentando evitar que falemos sobre a tal mudança para São Paulo e o tal internato onde ela pretende me deixar. Prefiro pensar que o surto de raiva que ela teve a fez dizer coisas sem pensar, o que geralmente não acontece. Mas ela está estranha. Parece tensa. Algo a preocupa.
– Mãe, você está bem?
– Hein?
– Perguntei se você está bem.
– Sim. Claro que estou bem.
Eu sempre digo para os meus amigos que minha mãe tem a cara da atriz americana Kristen Stewart. E, talvez, se ela tivesse nascido em outra época, o destino a conduzisse ao estrelato. Mas, olhando bem no fundos dos olhos dela, concluo, definitivamente, que dissimular não é o seu forte.
– Mãe, você é péssima em contar mentiras.
Ela suspira.
– Me desculpe.
– Desculpar o quê?
– Por não ter sido sincera. Por não ter contado a verdade desde o início.
– Que verdade? Do que está falando?
– A sua avó...
– O que ela tem?
– Lembra do que aconteceu com ela na semana passada?
– Lembro. Ela teve um desmaio.
– E lembra que naquele dia eu disse que tinha uma coisa para fazer no centro da cidade e que não sabia a que horas iria voltar?
– Lembro, mas e daí?
– Eu tinha ido verificar os resultados dos exames dela e...
– E?
Ela espera alguns segundos antes de falar.
– Ela foi diagnosticada com um tumor no cérebro.
CONTINUA>>>