Falta te Conhecer
Obs.: A música que coloquei nesse conto é do compositor e cantor Lucas Seixas. =)
Tudo, durante toda a minha curta vida, me levou a não me envolver com ela. Nossos pais não se davam muito bem, uma desavença de quando ainda eram jovens e tinham grandes sonhos. Tem uma boa explicação, mas nunca fez muito sentido para mim. Então nunca dei muita atenção à Lara.
Meu pai sempre quis que eu estudasse no mesmo colégio que ele estudou, foi onde teve suas melhores lembranças. Acontece que eram as mesmas lembranças do pai de Lara e consequentemente, ela também foi matriculada no mesmo colégio que eu.
É um tanto quanto irônico. Nunca foi um problema, ou mesmo uma questão Lara e eu sermos da mesma sala. A verdade é que nunca havia a notado direito. Brincávamos quando pequenos como toda criança brinca, mas nunca foi nada de demais… Reparei de verdade em Lara quando estávamos no terceiro ano do Ensino Médio, prontos para prestar o vestibular.
O pai de Lara dera a liberdade para que ela escolhesse a profissão que quisesse, mas ela herdara a curiosidade com a tecnologia, e quis fazer Engenharia de Softwares para ficar com a empresa do pai. Eu não tinha muita escolha, queria fazer Medicina, mas também era filho de um império, e, por obrigação, também deveria fazer Engenharia de Software. Tinha uma empresa em minhas costas, algo que meu pai fazia questão de me lembrar.
De qualquer forma, o ano do vestibular foi quando tudo começou. Durante a mostra de profissões da Pontifícia Universidade Católica, que, por coincidência resolvemos ir independente dá escola, me vi no mesmo grupo que Lara, éramos os únicos que iríamos prestar o vestibular para Engenharia de Software de mossa escola, e por mais improvável que fosse, nunca havíamos ficado sozinhos em um grupo em todo tempo que estudamos juntos.
Para mim ela era apenas mais uma das minhas colegas de sala, filha do concorrente do meu pai, e acho que para ela, eu não fazia muita diferença também.
Nos encontramos no local de informações e fomos juntos para o estande do curso que queríamos, mas no caminho ela caiu e virou o tornozelo. Acho que foi a primeira vez que realmente a olhei nos olhos. Não teria como não olhar. Ela sentiu muita dor, não conseguia andar, então tive que carrega-la para a enfermaria da Universidade e, apesar de terem ligado para seus pais, eles demorariam a chegar no hospital.
Não entendo muito bem o porque, resolvi acompanha-la para não deixa-la sozinha.
Fiquei com Lara o tempo todo até seus pais chegarem, ou seja, a tarde inteira.
A atenderam bem rápido quando chegamos ao hospital. Ela teve uma contusão um tanto séria no tornozelo, não havia quebrado nada, mas teria que andar de muletas por umas semanas. Vi seus olhos encherem de lágrimas, ela não poderia dançar. Foi quando me lembrei que fazíamos aula de dança na mesma escola, ela em uma unidade, eu em outra.
“Bom, você pode ir ver as aulas, ao menos não perde a matéria…” Comentei, ela fungou.
“Não vai ser a mesma coisa, mas… É melhor que não ir…” Concordou e me lançou um sorriso, senti um arrepio na nuca.
Resolvemos esperar os pais dela em um café dentro do hospital e o tempo pareceu acelerar. Não havia reparado que tínhamos tanto em comum.
Os pais dela apareceram para busca-la e me trataram muito bem. O pai dela fez uma piadinha sobre espionar o inimigo, mas me agradeceu por ter levado Lara até o hospital e por ter ficado com ela para que não ficasse sozinha.
Recusei a carona para casa, sei que meu pai não viria com bons olhos o fato de eu chegar em casa no carro do pai de Lara, então resolvi pegar um Cabify.
Ela não saiu da minha cabeça.
No dia seguinte, as oito da manhã, recebi uma mensagem dela no what’s app agradecendo novamente por ter a acompanhado ao hospital e dizendo que passou uma tarde muita divertida comigo. Meu coração acelerou, minhas mãos suavam e eu sentia um embrulho no estomago.
Já tinha beijado algumas meninas, namorara durante o primeiro ano do Ensino Médio, mas em momento algum sentira o que estava sentindo quando recebi a mensagem de Lara.
Não nos veríamos por uma semana por conta do feriado da páscoa, nossa escola emendava a semana inteira, então, por impulso, perguntei se ela iria viajar, ela disse que não, perguntei se ela queria sair comigo…
Meu coração acelerou quando ela disse que sim.
Marquei de pegar um Cabify, busca-la em casa, e irmos para o Parque das Mangabeiras. Ela concordou e marcou para daqui duas horas. Soltei uma risada. Minha cabeça já girava com as palavras que eu precisava colocar no papel, a melodia já estava pronta.
Quando o carro parou na porta do prédio de Lara, ela entrou com uma cesta de piquenique.
Foi uma das tardes mais divertidas que eu já havia passado. Ignorei todos as mensagens dos meus amigos, atendi apenas meu pai quando me ligou, já as quatro da tarde, perguntando onde eu estava. Deixei-a em casa um pouco depois disso.
Nos encontramos todos os dias do feriado desde então, sempre tínhamos o que conversar, a vontade de estar com ela aumentava a cada dia. Eu estava encantado, estava me apaixonando.
Nos falávamos todos os dias, nos dávamos boa noite, bom dia, ela me contava sobre a mãe, o pai e os dois irmãos mais novos. Eu lhe contei que meus pais haviam separado, contei sobre o outro marido de minha mãe, que era mais pai que o biológico e falei sobre meus gatos.
Na sexta-feira santa, quando fui busca-la para irmos ao cinema, Lara entrou no carro com uma expressão um tanto séria, disse que precisaria estudar para o vestibular e que tínhamos muitos deveres e trabalhos de casa, então, achava melhor não nos encontrarmos no dia seguinte.
Tive a ideia de estudarmos juntos, os olhos dela brilharam e ela concordou comigo. Combinamos de estudar na casa dela durante o dia e passarmos o fim da tarde nos jardins do prédio em que ela morava, para descansar.
À noite, um dos meus amigos me ligou perguntando porque eu havia sumido e me chamou para ir a casa dele. Ainda era cedo, então eu fui. Queria conversar com alguém sobre o que estava acontecendo. Ele mal abrira a porta do apartamento, eu já despejara tudo sofre os últimos dias.
“Mas… Vocês ainda não ficaram?” Perguntou confuso. Olhei para ele por um tempo. Não eu não tomara nenhuma atitude quanto a isso ainda, não porque não houveram momentos, ou vontade para beijá-la… Havia muita vontade, era difícil me segurar! Mas eu queria esperar mais, queria conhece-la melhor. Tiago riu. “Mano… Sinto-lhe dizer que em sete dias você se apaixonou pela Lara…”
“Alguns anos, mano…”
“Tecnicamente. Mas vocês só se falam direito há sete dias…”
Fiquei olhando Tiago e tive que concordar.
“E o que você vai fazer?” Perguntou, sorri para ele com a ideia mais louca surgindo em minha cabeça. Tiago riu, concordando em ajudar.
Quando cheguei em casa, a música já estava pronta em minha cabeça. A melodia se encaixava como uma luva. Peguei o violão, passei-a e repassei-a várias vezes. Me filmei cantando e mandei para o Tiago. Ele disse que estava muito bom e que ela, com certeza, iria curtir.
No dia seguinte levantei cedo, me arrumei e fui para casa de Lara no horário marcado. Levei minha mochila com o material e o violão a tira colo.
Quando ela me recebeu na porta do apartamento, olhou com curiosidade para o violão, puxou minha mochila, a colocou em um canto da sala de estar e me puxou para o elevador.
“Mas achei que iriamos estudar…” Comentei rindo, tentei disfarçar o nervosismo. Lara estalou a língua, fez um gesto com a mão antes de apertar novamente o botão do elevador.
“Você não disse que ia aparecer aqui com o violão! Eu estava louca para ouvir você tocar! A gente pode estudar depois do almoço!”
Entramos no elevador, ela apertou o botão do térreo, encostou em um lado e eu do outro enquanto descíamos do vigésimo andar. Ela mexia a perna um tanto ansiosa, abaixei a cabeça com o sorriso no rosto e a olhei de rabo de olho.
Como em quatorze anos de minha vida nunca havia reparado o quão linda essa menina era? Ou mesmo nunca tivera o mínimo interesse de conversar com ela? Já ouvira meus amigos falarem que “realmente a Lara era muito bonita”, mas eu nunca tinha parado para olhar de verdade. Ela sempre me parecera muito distante, tanto pela questão de nossos pais quanto por meu puro desinteresse.
“Você… Disse pros seus pais que eu viria?” Ela riu.
“Claro que sim!” Franzi o cenho.
“E eles não vão ficar bravos se a gente não estudar…?” Lara riu de novo.
“Tenho certeza que não.”
Quando o elevado parou, novamente ela pegou em minha mão e me puxou para fora.
Andamos até os jardins do prédio, era um lugar aberto e cheio de árvores. Sentemos na grama embaixo de uma árvore grande. Tirei o violão da capa e comecei a tocar.
Lara deitou na grama e cantou a maioria das músicas comigo. Pediu para que tocasse algumas que ela mais gostava. Me arrepiava com sua voz. Depois que já estávamos ali fazia algum tempo, dei uma pausa no violão, começamos a conversar sobre a escola e ela acabou me falando sobre as amigas.
“As meninas estão com ciúmes de você.”
Ri com a simplicidade que afirmou isso, levantei um pouco o rosto, arrisquei olhá-la, seu olhar procurava o meu, resolvi por encará-la.
“Os meninos também comentaram que sumi.”
“O que você disse para eles?”
Respirei fundo, tomando coragem.
“Lara, preciso te mostrar uma coisa…” Ela franziu o cenho e assentiu. “Essa música é minha… Fiz ela esses dias.” Sussurrei, vi-a abrir um sorriso antes de baixar o rosto e tocar os primeiros acordes.
“Falta…” Levantei o rosto e olhei em seus olhos.
“Eu te encontrar na eternidade de um beijo decorrido…
Falta… Salivar o tempo numa estante esquecido
Falta… Esquecer a falta que me faz você…
Falta… Eu amarrar o seu destino no trilho do meu caminho
Falta… Eu me encontrar em sua boca, sussurrar em seu ouvido
Falta… Falta o mundo inteiro então, saber
Que encontrei você… E que eu tenho você
E que nada importa mais se o nosso dia não está feliz
Falta eu musicar as histórias e os nossos planos
E te pedir para ser a rima das palavras que eu cantar,
E só pensar, pois tem você do início ao fim
Falta eu te amar, falta eu te ganhar, falta eu te perder
Falta eu chorar, te merecer reconquistar, envelhecer bem do seu lado
Falta eu te dizer…
Que eu não sou nada sem você…
Falta eu te conhecer…”
Puxei a melodia por mais alguns segundos e terminei. Ela então soltou o ar que estava segurando. Ficamos apenas nos observando por um tempo. Abaixei a cabeça e coloquei o violão de lado. Eu precisava fazer alguma coisa.
Quando levantei o rosto novamente, procurando coragem, Lara estava do meu lado, sorrindo, me aproximei um pouco mais e parei receoso. Ela deixou o ar sair pelo nariz em um leve riso, mordeu o lábio inferior e concordou.
Não tive mais dúvidas, respirei fundo e puxei-a para meu colo, uma mão em sua nuca e a outra em sua cintura. Nossos lábios se encontraram sem pausas ou receios. Era o melhor beijo que eu já tinha dado, sem qualquer dúvida.
Nos afastamos aos poucos para buscar um pouco de ar, então encostei a testa na dela, sorrindo. Seu olhar procurava o meu.
“Então… Eu quero que você me conheça melhor.” Sussurrou, ri e a beijei novamente, aliviado.
“Era o que eu esperava ouvir.”