O último texto
Ele estava sentado à mesa do trabalho. Tranquilo até certo ponto, mas o restante de seu ser estava inquieto quando decidiu rabiscar algumas palavras.
“Rompemos. Deus, eu nunca comecei um texto assim e tampouco me senti tão estranho; e esta nem é a primeira vez que essa palavra entra na minha vida. E o mais estranho é que, dessa vez, em tese, nem havia algo exatamente para ser rompido. Acho que por isso, durante a conversa, senti-me destruído. A ideia, a tentativa, era que um sentimento fosse rompido, fosse amassado e jogado e fora, se fosse a amizade em si ou um namoro talvez fosse mais fácil, mas o sentimento, cara, que sensação estranha. E o que significa?”
Apoiou os cotovelos na mesa. Queria escrever para ela. Desejava isso com todas as suas forças, mas cada palavra parecia mais e mais pessoal. Eram de um modo para ela, mas de um modo triste. Ele tinha acostumado a escrever seu ponto de vista sobre os dois. Textos sobre momentos, sobre segundos, sobre olhares, sobre frases que ainda soavam em sua mente e às vezes lhe faziam perder o sono enquanto olhava para o teto pensando em tudo o que podia. E seus textos costumavam ser aceitos. Costumavam ser recebidos com um sorriso. Mas não depois daquele dia. Ao menos ele não sabia. O ponto é que, enquanto escrevia, o rapaz imaginava que na verdade Ela nunca leria aquele texto. E ele o escreveu como se fosse o último. Talvez fosse mesmo.
Começou expressando, como que em uma carta, tudo aquilo que achava sentir. A noite anterior ainda martelava em sua mente. Ela estivera certa sobre quase tudo e era exatamente ao quase que ele se apegava. Não porque ele quisesse estar certo sobre alguma coisa, mas porque o quase era algo dela, era algo que ela parecia guardar em seu interior e que por acaso ou não extravasava de repente. Ele lera cada mensagem com o coração a um passo do abismo; a dor em pensar no que foi sugerido, que deveriam se afastar depois de tanta coisa, foi uma dor quase física. Pensando naquilo enquanto escrevia ele riu. “Tanta coisa” o quê?
O celular vibrou. Era uma mensagem de áudio dela.
– Esquece tudo que eu falei ontem, tá? Brigado.
Oi?
Naquele momento ele sentiu seu dia salvo e ao mesmo tempo colocado em xeque. Olhou para o próprio texto, olhou para os próprios sentimentos e por fim lembrou-se do que tinha acontecido e ela pedia para esquecer. Ela estivera certa. Ele não podia mais ser o estúpido naquela relação. Amava-a, mas não era tempo. Queria-a, mas era cedo demais. Ter sentimentos não era fazer bobagem, mas permitir que eles o dominassem, aí sim estava o perigo. E ele tinha essa tendência, e já quase não se lembrava como era tudo antes da presença daquela garota. Paixões têm algum poder de causar esse efeito, não é? Uma cegueira momentânea que pode durar para sempre. Só que agora, para o bem dos dois, ele precisava enxergar.
Concordou que esqueceria a conversa que tiveram. O alívio no peito era a base de tudo e a voz dela carregada de sono foi um alento para seu coração. Depois, em silêncio, terminou o texto que escrevia, guardando a ideia do “rompemos” e refletindo sobre como seria então. Sentia-se rompido por dentro. Ela lhe dera uma boa surra, a qual ele precisava aliás. Quis dizer que a amava, mas decidiu se segurar. Quis mostrar o seu texto, seus sentimentos e ainda o poema que tinha na mente; quis correr para ela imediatamente e abraçá-la como se não houvesse ninguém mais no mundo, mas também não o fez. Ele estava feliz que os dois estavam bem, feliz que aquela conversa não tinha tirado deles aquela coisa linda que tinham: um ao outro. Apenas todo o restante esperaria.
Ele seria dela; continuaria sendo. Mas ela não saberia.