Quando o Pereiro Florescer

Cristina se casara com Jeremias, por amor e por necessidade, e os dois foram morar em uma casinha de taipa com um grande terreiro ao redor, de areia fofa, que ela mantinha sempre limpo, varrido, onde sonhava ver seus filhos brincando. Atrás da casa, depois dos jiraus de coentro e cebolinha, ficava o monturo, e ali as galinhas ciscavam buscando algum inseto para dar aos pintinhos que piavam ao redor. Dos dois lados da casa, uma fileira de alguidás e potes de todos os tamanhos serviam para, quando chovesse, aparasse a água das biqueiras. Jeremias e Cristina sabiam que água era coisa muito preciosa no sertão nordestino, e dependiam muito da chuva, tanto para produzir na roça como para ter água para beber.

Cristina lavava os pratos no alpendre que o esposo fizera nos fundos. Como não tinha pia, nem água encanada – eles moravam na roça –, Jeremias levantara um jirau de varas, semelhante ao das hortaliças, para a mulher não ter que ficar de cócoras. Ele ia para a roça, e ela cuidava de tudo em casa. Quando ele voltava encontrava o almoço pronto e a casa, com poucos móveis, toda limpa e arrumada. Assim que anoitecia, fatigados da labuta do dia, iam para a cama, apagavam o candeeiro, faziam amor no escuro e dormiam. Todos os dias e todas as noites era a mesma rotina, e ia tudo muito bem. Era assim que tinha que ser.

Veio a seca, não chovia já há algum tempo, a roça não dava nada, e o aperto e a necessidade bateram na porta. Por algum tempo, não muito, o casal se virou vendendo alguns ovos de galinha, e depois as próprias galinhas, uma meia dúzia de bodes e cabras que criavam, até que não restou mais nada.

-- O que vamos fazer? – perguntou Jeremias à esposa, enquanto estavam sentados na frente da casa, de noite, olhando para o céu limpo, estrelado, sem nuvens, sem qualquer sinal de chuva.

-- Você tem que dar um jeito – ela respondeu.

-- Por acaso eu sou Deus? Ou algum santo milagreiro? – Ele disse com um pouco de irritação. E essa foi a primeira vez que sentiram desconforto um com o outro.

-- Não, mas você tem que dar um jeito! – ela repetiu, se levantou e entrou na casa.

Naquela noite, também pela primeira vez, dormiram sem fazer amor.

Mas pela manhã não saíram da cama sem fazer as pazes.

Jeremias sabia que a mulher tinha razão. Ele tinha que dar um jeito.

Ficou sabendo que para as bandas do Mato Grosso havia muito trabalho. Qualquer pessoa que chegasse lá arranjava serviço e ganhava muito dinheiro.

E a decisão foi tomada num daqueles dias, pela manhã, quando ainda estava na cama com a mulher. O sol já tinha saído e ele continuava deitado porque não havia o que fazer nem para onde ir.

-- Eu vou para Mato Grosso – ele disse sem olhar para a jovem esposa.

Ela ficou em silêncio por alguns minutos, depois perguntou.

-- E quando você volta?

Jeremias ficou de joelhos sobre a cama, virou-se e abriu a janela que dava para a frente da casa. No final do terreiro, defronte à janela, tinha um frondoso pereiro – árvore muito comum na caatinga nordestina, e que produz flor bastante cheirosa.

-- Quando o pereiro florescer, eu estarei de volta – vaticinou ele.

Cristina ficou também de joelhos, ao lado do marido, olhando pela janela. O pereiro estava sem folhas, parecendo morto. Mas ela sabia que quando chovesse ele se encheria de folhas e floresceria.

-- Está bem, meu amor! Eu prometo te esperar até o pereiro florescer.

Um agricultor mais abastado, quase um fazendeiro, que conseguia sobreviver aos efeitos da seca, cuja residência ficava perto da casa de Jeremias, financiou sua viagem. É claro que ninguém dá murro em ponta de faca nem bota prego sem estopa. Jeremias tinha que deixar sua pequena propriedade, incluindo a casa, ainda que não valesse muito porque era de taipa, como garantia de que o empréstimo seria pago. Do dinheiro recebido ainda deixou uma parte para a esposa. Ela precisava para sobreviver.

Então se despediram.

Cristina continuou com sua rotina, morando sozinha na pequena casa, esperando o dia da volta do esposo. A saudade apertava mais era de noite, principalmente quando ela ia para a cama e sentia falta daquela coisa tão gostosa que relaxava e fazia dormir.

Os meses foram se passando. Ela não recebia carta nem qualquer outra notícia do marido. Mas ela não se preocupava com isso. Estava perto de o pereiro florescer. Então, como ele prometera, voltaria.

Todos os dias, logo pela manhã, antes de fazer qualquer outra coisa, antes mesmo de sair da cama, ela abria a janela e olhava para o pereiro. Já estava cheio de folhas. Logo daria flores.

E assim, em uma daquelas manhãs, Cristina sentiu o cheiro. Porque é possível sentir o cheiro da flor do pereiro à distância. Com alegria pulou da cama e foi cuidar dos afazeres. Varreu o terreiro, lavou tudo o que precisava lavar, arrumou a casa e preparou um bom almoço, o melhor que podia fazer. Seu amado chegaria nem que fosse ao final do dia e encontraria alguma coisa para comer. Se chegasse ainda com a luz do dia, iriam para a cama antes mesmo de anoitecer.

O dia se passou, chegou a noite, e Jeremias não chegou.

Cristina foi para a cama sozinha novamente, chorou, e, cansada, dormiu sem amor.

Os dias, as semanas, os meses se passaram. Mais um ano... O pereiro floresceu pela segunda vez depois que Jeremias partira. E floresceu pela terceira vez sem que ele chegasse.

Por fim, Jeremias estava chegando. O coração batendo forte, ansioso para encontrar a amada, aperta-la em seus braços, beija-la, leva-la para a cama.

Desponta no terreiro e para de repente. A casa está derribada. Não existe mais telhado e algumas paredes estão caídas. Jeremias anda lentamente pelos arredores. Tudo é desolação e abandono. Nenhum sinal de vida. Mas ele precisa saber o que aconteceu. Dirige-se à casa do seu credor, o homem que lhe emprestou dinheiro. Antes de chegar a casa dele, passa por uma que não havia antes ali. É uma casa bonita, de alvenaria, bem construída, com um belo jardim na frente. Para e fica olhando. De quem será? pergunta-se Jeremias. Então aparece na porta um casal. A mulher está com uma criança nos braços.

-- Cristina?!

-- Jeremias?!

Ela entrega o bebê para o homem ao seu lado e corre para os braços do esposo. O homem, que é filho do credor de Jeremias, protesta.

-- Cristina! Você agora é minha mulher!

Ela responde, agarrada a Jeremias:

-- Não! Só se ele não me quiser mais! Você ainda me quer? – pergunta, olhando para o esposo.

-- Sim, eu te quero. Peço perdão por ter demorado tanto!

Cristina o beija apaixonadamente. Depois se volta para o homem em pé na porta.

-- A dívida do meu marido já está paga. Fique com o troco.

E eles vão embora para outro estado, em busca de uma nova vida, onde possam fazer amor todas as noites.

Isidio
Enviado por Isidio em 15/11/2017
Código do texto: T6172532
Classificação de conteúdo: seguro