O DIA DO CASAMENTO
Uma garoa caía naquela manhã de domingo na Serra do Caverá, quase na fronteira do Brasil com o Uruguai e Argentina.
Uma jovem era preparada pela mãe e pelas tias para o momento do casamento. Vestido sendo costurado no corpo. Cabelo bem lavado. Perfume. Véu. Aias e pajens. Alianças de ouro gravadas com as iniciais dos noivos e a data do fato. Estava pronta para celebrar o amor. Estava pronta para perder a virgindade tão bem guardada por 18 anos. Sua mente pegava fogo. Era uma mistura de tesão com medo. Enfim chegava a hora de descobrir o pecado e a fraqueza da carne humana. Iria passar as núpcias na cidade do Alegrete. Nunca tinha saído da fazenda no Caverá. Ali nasceu pelas mãos de uma velha parteira, se criou brincando no campo e nos bosques, aprendeu a ler e fazer contas na escola de campanha, e sua mente viajava com os romances e revistas que a professora trazia de Rosário do Sul. Passou a juventude ajudando a mãe e as tias nos serviços domésticos da fazenda onde o pai era apenas o capataz de um poderoso homem da elite regional. Foi ali, aos 15 anos, que flertou com um dos peões da fazenda. Moreno alto, musculoso, jovem como ela. Domador de potros. Bom no tiro de laço. Campeão de gineteadas. Com emprego fixo e carteira assinada. Tinha até um chalé no Caverá, na beira dos Três Cerros. E passaram três anos num namoro vigiado, com apenas alguns beijos escondidos e abraços mal traçados.
Um jovem preparava-se para o momento de seu casamento. Lustrava a melhor bota e a guaiaca com aquela fivela de prata que herdou de seu pai. Passava o lenço vermelho que lhe orgulhava pela atitude revolucionária de seus antepassados que fizeram levante contra a ditadura no Estado. Tomou banho perfumado. Só pensava em tirar a roupa branca da noiva e beijar seus seios e pernas e braços. O carro do filho do patrão levaria os noivos para um hotel no Alegrete. Ele passava brilhantina nos cabelos negros. Encilhava o cavalo baio companheiro velho, e se aprontava para o almoço festivo do casamento.
O padre estava no altar da capela da fazenda. A chuva apertava. Aos poucos os convidados chegavam, ensopados, e se aglomeravam no galpão onde foram montadas mesas para a festa. A carne de ovelha e boi aos poucos ia para a churrasqueira. As saladas e o arroz com charque eram preparados pelas mulheres dos peães. Os pais dos noivos chegavam de carroça e a cavalo. Ensopados.
O noivo vestiu seu poncho e galopou pela coxilha. Com o chapéu de abas largas protegia seu rosto e cabeça dos pingos fortes da chuva. Os trovões e relâmpagos assustavam seu cavalo baio companheiro velho. Ele olhou para o céu cinzento e agradeceu a Deus pela sua vida e pela mulher que iria desfrutar. Queria muitos filhos pra criar.
De repente um raio. Uma luz. Um fogo. Um choque. Um grito. Um fim. O peão e o cavalo baio companheiro velho caíram na grama molhada e eletrificada. Um silêncio pairou na pampa. Só se ouvia o barulho da chuva caindo nos telhados. E o noivo não chegava.
Um grupo de amigos, assustados com aquele raio que caiu perto, foi dar uma volta pelo campo nas proximidades da fazenda. Lá encontraram o noivo morto pela natureza. Foi um Deus nos acuda. Desespero e choro no Caverá. Noiva inconsolável, pais entristecidos, companheiros emudecidos.
O corpo foi velado no galpão preparado para a festa do casamento. A noiva desmaiou várias vezes. O padre encomendou a alma do gaudério que morreu sem realizar seu sonho de amor. O patrão ficou sabendo da história em seu escritório na capital. O enterro saiu abaixo de chuva e o noivo foi enterrado num cemitério ao pé dum cerro do Caverá.
Sete anos se passaram e a noiva encontrou um novo e vivo amor. Rezou muito para que não chovesse no dia do casamento.
Publicado no livro Outras Vidas, 2010,
ISBN 978-85-7727-246-4