O mestre das letras
Trabalhava num colégio como faxineiro e adorava limpar a biblioteca que ficava no terceiro andar. Gostava de ver os diversos livros nas estantes e de ver a bibliotecária que era linda. Mas não sabia ler, nem escrever. Não sabia nem assinar seu nome. Só sabia fazer um “x” (xis) quando precisava assinar um documento e nada mais. Adalberto Muniz era analfabeto e sofria por isso. Tinha 25 anos de idade, mas ainda não nascera para o mundo das letras. Admirava, quando pegava o trem, os passageiros que liam, durante o trajeto, jornais ou livros. Sentia inveja dessas pessoas que dominavam o idioma de Camões: o português. Numa noite de lua cheia do mês de julho, Adalberto acordou com o coração batendo rápido e suando frio. Teve um sonho, na verdade um pesadelo horrível. No pesadelo, um homem ou melhor: uma criatura na forma humana vestida com um terno preto e com uma caveira no lugar da cabeça lhe disse com uma voz tonitruante: ― Adalberto, se você não souber ler até o dia do seu aniversário, eu virei te buscar! ― E após dizer isso, o estranho ser sumiu enquanto ecoava sua gargalhada sinistra, que despertou abruptamente Adalberto Muniz do mundo dos sonhos para o mundo dos vivos.
Medo era a palavra que melhor definia o sentimento de Adalberto naquele momento. Faltavam menos de dois meses para Adalberto fazer aniversário. Ele faria aniversário dia 24 de setembro, mas já era dia 25 de julho. Adalberto tinha menos de 60 dias para aprender a ler ou, segundo o homem sinistro de seu sonho, morreria!
Eram seis horas da manhã, quando Adalberto chegou à escola. A biblioteca abria às oito horas. Limpou o primeiro andar e o segundo e, às oito e meia, foi até a biblioteca. Suzana Lis, a linda bibliotecária de olhos azuis e cabelos cor de mel já recebia os primeiros leitores do dia. Adalberto a cumprimentou e comentou seu sonho para ela. Suzana o acalmou dizendo que era só um sonho. Que não era real. Mas que teria imenso prazer em ensiná-lo a ler se ele assim quisesse. Adalberto deu um sorriso, que já dizia tudo, e agradeceu à bela mulher.
As aulas começaram no dia seguinte: 26 de julho. Adalberto acreditava no caráter premonitório de seu sonho, por isso esforçava-se ao máximo para aprender o idioma de Machado de Assis. A primeira aula foi o alfabeto da língua portuguesa. As 26 letras (incluindo o K, o W e o Y) foram apresentadas a Adalberto por Suzana. Ele aprendeu a desenhá-las no seu caderno de caligrafia. É verdade que ele penou um pouco no início, mas no quinto dia de aula já conseguia escrever seu nome sem ajuda. Os dias passavam rápido e Adalberto Muniz ia progredindo cada vez mais na aprendizagem do Português. Faltando apenas uma semana para a data fatal, de seu aniversário, o faxineiro já era capaz de ler. Lia mal, mas lia. Suzana Lis estava orgulhosa pelo fato de ter ensinado Adalberto a ler. Era inegável que Suzana achava Adalberto lindo. Ele parecia o Brad Pitt, mas sem os cifrões do ator de Hollywood. Suzana Lis não queria um pé-rapado como namorado, mesmo ele sendo lindo. Ela não acreditara muito na história do sonho contada por Adalberto Muniz, mas como o achava lindo e trabalhador não viu nada demais em ajudá-lo a aprender a ler. Quem sabe com aquele empurrão ele tomava gosto pelo estudo e se tornaria um pretendente à sua altura. Era isso que pensava a linda bibliotecária sobre Adalberto Muniz.
O dia do aniversário de Adalberto chegou, mas ele nem se lembrou do fatídico sonho, afinal de contas, ele já sabia ler. Mal, mas sabia. Por isso a preocupação dele com o homem maligno do sonho era zero. Neste dia, Adalberto precisava visitar um parente que não via há muito tempo. Pegou o trem e foi até Saracuruna, um distrito do município de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro. No caminho, havia uma cerca por onde ele precisava passar para entrar na propriedade de seu tio, Hugo. No momento exato, em que Adalberto ia tocar na cerca para abrir passagem, viu uma placa vermelha e nela leu: Perigo! Cerca eletrificada. Toque no botão vermelho para chamar o funcionário. E foi por saber ler que Adalberto Muniz se salvou de uma morte horrível, pois se ele tocasse na cerca morreria eletrificado na hora. O sonho premonitório o fez nascer de novo.
A amizade com Suzana Lis, a formosa bibliotecária deu ótimos frutos. Adalberto fez um supletivo do ensino fundamental e não parou aí. Fez o ensino médio e a prova do Enem. Com a ajuda de Suzana, Adalberto passou para o curso de Letras na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Adalberto Muniz àquela altura não era mais faxineiro. Havia passado no concurso público do Banco do Brasil para escriturário com um bom salário. Suzana Lis já era namorada oficial de Adalberto Muniz e ambos faziam planos para o casamento, que seria após a colação de grau de Adalberto na faculdade. E tudo deu certo para o casal. Adalberto Muniz se casou com a linda bibliotecária e teve dois filhos com ela. Um menino, Julian, e uma menina, Márcia. Ele continua estudando, mas agora, ele é um mestre: mestre das letras.