Você Não Vai Me Ver Olhar Para Trás

As luzes da rua são as únicas acesas, já se passam das três da manhã. Havia esquecido que a madrugada poderia ser quieta e ao mesmo tempo desesperadora. Como uma rua deserta podia ser tão tranquila e ainda assim cheia de demônios, esperando para serem enfrentados

Minha mente continua confusa devido as doses de tequila, e de qualquer maneira, eu não tenho nenhum lugar para ir. As chaves continuam no câmbio, frias, do mesmo modo com o qual você as atirou em mim. Os nós dos meus dedos ganharam cor depois de socar a parede, um roxo doentio. Mas os hematomas deixados na minha alma são muito piores, com eles sim devo me preocupar.

O bar fechou as portas a algum tempo, o som do carro não funciona e eu apenas escuto o silêncio. Recosto a cabeça no banco e involuntariamente, recordo as suas lágrimas caindo ao me ver sair. Elas contrastam com o ódio dos seus olhos, um segundo antes de tentar mais uma vez me destruir.

Começamos isso numa noite de inverno, mas você fez parecer uma tarde de verão. Me fez aceitar um destino incerto, esquecer os planos num impulso, deixou claro o quão intensa poderia ser. Brilhou no escuro do quarto como uma chama viva. Queimou o meu peito com um único toque de prazer.

Lembro bem da primeira vez que me fez sangrar, assim como da última vez que me fez sorrir. Seus lábios podiam proporcionar longos momentos de êxtase, assim como cuspir palavras impiedosas, forçando-me a querer me redimir.

Você dizia que eu era muito para aguentar, que tudo o que eu queria era crescer, sozinho. Jurava que seu amor era o bastante, mas o meu propósito egoísta ele nunca conseguiria alimentar. Você estava errada, agora eu vejo. Não era amor o que nos unia, e sim o seu medo de ficar sozinha.

Eu bati a porta, desfiz o laço, cortando os meus dedos ao encostar na maldita corda. Dirigi durante horas por uma cidade cinzenta, por ruas anônimas, com pessoas sem rosto. Lágrimas também mancham a minha visão e apesar da angústia que sinto agora, eventualmente, elas vão secar.

Estou machucado, eu confesso. Perdido entre uma imensidão de estradas. Cansado e sozinho, andando em círculos durante a noite, com a mente embriagada. Mas os sussurros de liberdade superam tudo isso.

Você não vai me ver olhar para trás, virar de costas. Não vai mais me ouvir gritar. Dias passarão, e eu não vou pensar em você com tanta frequência. As estações transformarão a paisagem e outra pessoa tomará o seu lugar. Logo, quando os machucados forem apenas cicatrizes e nada mais me ligar a você, tentarei considerar os curtos momentos de alegria que tivemos. E dizer para mim mesmo que apesar de termos vivido algo, estou feliz de ter colocado um fim.