- Ausência -


 
 
Era a última noite de pescaria. O crepúsculo havia findado há um par de horas e a brisa marinha, de tão leve, somente ondulava a superfície negra do oceano. Três homens em uma pequena embarcação partilhavam o mesmo anseio.

Calados, aguardavam o destino mirando as cordas que sustentavam a rede, ainda sem peso. Quando havia luz e o mar transparecia, era possível ver as franjas da rede balançando como mechas de cabelo em flutuação sinuosa – um balé submarino. A noite sem lua deixava o mar como um gigantesco abismo: insondável e assustador.

As esperanças se entremeavam nas tramas das cordas, nos nós que contavam suas vidas de vento e sal. O samburá vazio aumentava a urgência dos homens que nada falavam, concentrados no salpicar da água riscando os bordos do frágil barco. Vez por outra, guinchos de pássaros invisíveis anunciavam peixe.

Acenderam seus cigarros de palha. Uma agitação na água chamou a atenção dos três. O vento voltou a soprar, silvando e arrancando o chapéu do mais velho, que caiu na água a menos de um metro da quilha da canoa. Quando se inclinou para pegá-lo de volta sentiu uma forte pancada na madeira do fundo fazendo com que se desequilibrasse e caísse no oceano. Os outros dois foram até a borda para trazê-lo de volta, mas, antes que pudessem tocar a sua mão, viram o homem ser puxado para baixo e sumir, engolido pela escuridão.
                                       
                                  


Muitas luas se passaram e Carolina ainda os esperava. Origem e destino no fundo do mar que contemplava a cada aurora – uma figura solitária sentada no píer. Perdera, numa única noite, suas referências masculinas, pai, marido e filho.

O oceano, nada lhe devolvia. Despojos, certezas, algum sinal que as ondas lhe trouxessem. E assim, sem ter o que sepultar, mantinha os olhos presos na linha, no horizonte mudo de notícias.

O armazém ia minguando sem apego. Sem os peixes dos homens da família, dependia dos pescadores avulsos, preço descombinado a cada dia. Nem mesmo lutava contra a injustiça. A tragédia lhe enterrara os sonhos.

Em casa: a solidão acompanhada. A mãe alheia a tudo, nunca chorara a morte do companheiro. Na foto da parede, marido e filho sorriam para a moça. Os rostos congelados e felizes como num aceno de até breve.

Um dia viu o barco com os três. Da terra, acenava, gritava e ria. As pessoas acorreram e a levaram para casa. Foram três dias de febre e delírios. Quando se pôs de pé novamente, voltou com todo o coração para sua miragem. De lá não saiu mais. Comia e bebia do que lhe traziam as boas almas do lugar. Dizem que foi se desvanecendo aos poucos até que um dia o cais amanheceu vazio.

Na casa de Carolina a mãe fechava os olhos pela última vez. O armazém baixou as portas.
Era domingo e ninguém quis navegar. Depois do cortejo da idosa, apenas um pequeno barco tremeluzente se desenhava, solitário, na paisagem marinha.


                  Iolanda Maria Pinheiro C. Leitão