ASSIM SE PASSARAM LONGOS ANOS

Amei profundamente uma mulher, a que jamais medi esforços em ajudá-la, pois o que mais quis em minha vida foi tê-la sempre a meu lado para que pudéssemos ser felizes e caminharmos sempre juntos. Porém, em uma determinada noite, aparentemente sem nenhum motivo, ela zombando da minha afetividade amorosa por ela, decididamente resolveu partir. E olhando duramente em meus olhos, sem nenhuma excitação, disse-me que já havia se decidido ir embora para nunca mais me ver. Que eu não tinha condições nenhuma de lhe dar uma vida confortável em uma casa luxuosa, cercada de grandes valores, como um automóvel importado do último modelo e ano, jóias, perfumes caros, um vasto figurino e uma coletânea de meias e sapatos finos e de ultima moda, entre tantas outras coisas que suas amigas sempre puderam desfrutar, enquanto ela nunca alcançaria se continuasse vivendo a meu lado. Disse-me ainda, que já não sentia nada mais por mim, á anos. Que eu não significava absolutamente nada em sua vida a não ser um empecilho, em seu caminho. Um traste humano sem nenhum valor. Naquele momento, confesso que não encontrei nenhuma palavra para lhe dizer, pois eu jamais poderia imaginar uma situação dessa natureza em minha vida. Naquela noite, porém, eu chegava cansado do trabalho, mas trazendo-lhe algumas rubras rosas, que havia comprado para lhe surpreender.

Porém quem acabou sendo surpreendido fui eu, diante de uma cena tão desagradável como a que estávamos vivendo.

Assim, já bastante alterada, ela, despetalou todas as rosas em minha frente, enquanto dizia-me que já estava bastante cansada de viver a meu lado e que já se convencera de que merecia coisa bem melhor. Uma vida mais digna e com maior conforto. Sem mais, pegou tudo que tinha direito, abriu a porta da sala bruscamente e deu de sair. Nesse momento consegui retomar um pouco a consciência, e, apesar de me sentir completamente destruído e profundamente frustrado com tudo, ainda consegui um resto de forças para lhe pedir que me desse um pouco de sua atenção, que me ouvisse pelo menos uma ultima vez antes de partir. Nesse momento, por uma pequena fração de segundos ela se acalmou enquanto eu lhe implorava que procurasse se tranqüilizar e me ouvir um minuto pelo menos. Assim, com os olhos rasos, disse-lhe: - Não vá, espere um pouco, fique aqui só mais um instante para que possamos conversar, pois não vejo nenhuma razão em tudo que está acontecendo e assim, quem sabe, possamos solucionar tudo com calma. Nesse momento de profunda dor, agarrei-me a seus cabelos, em seu vestido, no seu corpo, em suas pernas e por fim aos seus pés, mendiguei de joelhos para que ela não partisse. Chorei muito e muito gritei implorando para que ela não fosse embora, para que ela ficasse. Mas ela olhou-me mais uma ultima vez, de cima abaixo, disse-me adeus sem nenhum sentimento humano, tal e qual a uma rocha gélida. Atravessou a porta da sala ganhando a rua, enquanto vi seu belo corpo sumindo, desaparecendo na escuridão daquela triste noite. Ainda assim, gritei seu nome mais uma vez, em vão, pois ela já havia partido, levando consigo toda minha ilusão, todos os meus sonhos, toda minha alegria... Algumas semanas depois, entrei em uma lanchonete de grande movimento no centro da cidade e me sentei para fazer um lanche, pois àquela hora eu me encontrava necessitado de algum alimento. Foi nesse momento que pude ouvir o nome dela entre largas gargalhadas, numa rodinha de homens da alta sociedade, onde um perguntou a outro: - Você vai mesmo se casar com ela? Enquanto o outro lhe respondia: - Sim, mas não sei ainda quando e nem por quanto tempo! Nesse momento, já sem fome, levantei-me dali e procurei logo ir embora, pois aquilo tudo, a mim, era bastante desagradável.

Alguns meses depois, tomei conhecimento através das colunas sociais dos maiores jornais em circulação na cidade, de que ela iria se casar com um grande empresário, dono de uma enorme rede de joalheria espalhadas por todo o Estado. Nos jornais, vinham as fotos dos noivos, estampadas bem na capa e no centro de suas páginas, onde ela posara bastante sorridente ao lado de seu então futuro marido. Assim voltei para casa bastante triste por tê-la perdido para sempre, mas por outro lado feliz, por saber que ela conseguira encontrar o que eu nunca tive condições de lhe dar durante aqueles anos todos em que ela vivera em minha companhia. Ela agora tinha tudo que queria e estava sempre em destaque nas colunas sociais que sempre me traziam notícias suas, acompanhadas de suas fotos. Assim se passaram longos anos e o que a princípio me fazia sofrer muito, já se tornara uma rotina do cotidiano, a qual eu já não mais me importava nem se quer em perder tempo, na leitura das colunas sociais.

Algum tempo mais tarde consegui um novo emprego numa concessionária autorizada de veículos novos, como representante do setor de vendas, e com o passar do tempo cheguei ao cargo de gerente geral de todas as concessionárias daquela marca de veículos. Minha vida havia tomado outras dimensões e novos horizontes se descortinavam a minha frente. Eu então já havia adquirido uma boa casa com bastante conforto, enquanto também podia desfrutar dos melhores carros que chegavam a nossas agencias. Pois sendo eu um bom funcionário bastante assíduo e dedicado ao meu trabalho, meu patrão me dera esse direito, o de livre acesso aos últimos modelos do ano.

Certa vez, uma notícia veio abalar toda a cidade, principalmente à alta sociedade. Um grande empresário muito conhecido por todos e em toda a região havia falecido, perdendo tudo que havia adquirido, até mesma sua suntuosa mansão que fora penhorada para quitação de grandes dívidas com um dos bancos o qual lhe havia creditado uma valiosa quantia e assim, esta, já vencida, todos os prazos estabelecidos em contrato e não tendo com que pagar tamanha dívida, este homem, totalmente desnorteado com a perda de tudo, se mata com uma forte dosagem de veneno misturada a um copo de uísque. Ainda segundo as notícias, o mesmo deixava a mulher com dois filhos pequenos.

Sendo um menino de um ano de idade e uma menina de dois meses. O que me deixou mais perplexo com tudo, foi quando lendo as notícias, constatei que aquela triste tragédia havia acontecido justamente com a mulher a quem a muitos e longos anos eu mais havia amado em toda minha vida.

Fiquei novamente triste em saber de tal acontecimento, porém, não tive como ajudá-la em nada, pois ela não fazendo mais parte das colunas sociais, ficamos sem nenhuma notícia um do outro. Eu, por não mais vê-la nos jornais. Ela sem notícias minhas por não se lembrar mais quem eu era. Passaram-se mais dois ou três anos desse acontecimento, quando conheci uma moça muito simples e bastante dedicada a mim, que se apaixonou por mim, e eu por ela. Encontramo-nos por algum tempo e decidimos que ficaríamos noivos. Assim vivíamos felizes com os planos que fazíamos juntos para o futuro que para nós era muito promissor. Certa noite, quando já havia voltado da casa de minha noiva e me preparava para ir dormir, alguém bateu em minha porta e me chamou pelo nome. Corri para atender bastante pensativo em quem poderia ser àquela hora da noite, e com voz de mulher? Quem seria meu Deus?

Assim que abri a porta da rua, sem nem perguntar, por quem era uma grande surpresa. Uma mulher de aparência bastante sofrida encontrava se bem a minha frente, de mãos dadas a um casal de crianças, que assustadas chamavam-na de mãe, enquanto diziam estar famintas, cansadas e com medo de tudo. Ao lhe perguntar do que se tratavam tudo aquilo, foi que a reconheci, pois ela olhando-me nos olhos pediu-me para entrar e conversar um pouco. Primeiro dei de comer a ela e às crianças, pois estavam somente com as roupas do corpo e sem nenhum dinheiro para comprar sequer um prato de comida para os três. Esperei que todos saciassem a fome e em seguida dei algo às crianças para brincarem tranqüilas enquanto conversávamos. Ela então me contou tudo que havia lhe acontecido, durante todos aqueles longos anos que se passaram desde aquela noite em que ela fora embora me dizendo que nunca mais haveria de voltar.

A ouvi com total atenção, sobre tudo o que ela me dizia, quanto a sua longa ausência. No final, ela, aos prantos, pediu-me milhões de desculpas e inúmeros perdões, dizendo-me que estava profundamente arrependida de tudo que me fizera sofrer desde aquela noite em que ela, agindo sem pensar, foi embora dizendo que jamais voltaria ali naquela casa onde não havia absolutamente nada que a fizesse feliz. Porém, me limitei a lhe pedir que, por favor, se retirasse de minha casa, pois eu não tinha como abrigá-la juntamente com as crianças, pois se assim eu agisse, estaria sendo demasiadamente injusto primeiro comigo mesmo, depois com minha noiva que sempre tivera por mim, grande paixão e dedicação. Assim então, liguei para pousada de um amigo meu e pedi-lhe que a abrigasse juntamente com as crianças, até que ela decidisse o que iria fazer dali por diante. Chamei um táxi que os levariam até a pousada onde pudessem dormir. Dei a ela um pouco de dinheiro para comprar algumas roupas, como também o alimento, para ela e os filhos. Então, ela entrou no táxi com lágrimas nos olhos, enquanto as crianças com a fome saciadas brincavam inocentemente desligadas de tudo que estava acontecendo a sua volta. Seguiram com destino a pousada, na qual eu já havia feito as reserva para ela e as crianças. Assim que o motorista deu a partida, ela ainda olhou-me mais uma vez enquanto me acenava com um lencinho branco em sentido de adeus. Por volta de meia hora depois, que haviam saído de minha casa, recebi a notícia de que aquele táxi teria colidido violentamente com uma carreta de secos e molhados em um cruzamento muito perigoso e de muito movimento, bem no centro da cidade, por onde passavam. Rapidamente peguei meu carro e me dirigi bastante aflito, para o local do acidente. Quando cheguei, a avenida já se encontrava totalmente interditada e, tanto a polícia militar, quanto o corpo de bombeiros, se encontravam no local trabalhando intensamente na tentativa de controlar o trânsito e os inúmeros curiosos que ia se aglomerando cada vez mais, enquanto uma equipe médica fazia de tudo que podia para tentar resgatar com vidas os corpos dos possíveis sobreviventes que ocupavam aquele táxi. Infelizmente o motorista, ela e a filha menor, que se encontrava em seu colo no banco dianteiro e sem os cintos de segurança, no momento da colisão, tiveram morte instantânea e não chegaram nem a serem levados ao hospital. Quanto ao menino de quatro anos foi socorrido pela equipe de resgate e levado em estado bastante grave, por uma ambulância ao hospital local, pois havia sofrido um traumatismo craniano e se encontrava em estado de coma profundo. Por duas semanas seguidas sem faltar nenhum dia passei a visitá-lo e lhe dar toda a assistência possível, com esperanças de que ele algum dia pudesse receber alta e saindo do hospital viesse morar comigo, pois não havia ninguém por ele. Numa manhã de domingo fui chamado às pressas ao hospital, e quando cheguei, recebi a notícia de que o menino, havia falecido poucos minutos antes da minha chegada.

Apesar de ter sido uma situação muito dolorosa para mim, que alimentava a esperança de lhe dar uma vida melhor, não tive alternativa, senão providenciar o que deveria para que aquele minúsculo corpinho angelical fosse sepultando.

Levei-o para o mesmo cemitério onde havia sepultado há duas semanas, sua mãe e sua irmãzinha. Ao sair do cemitério, minha noiva me aguardava próximo ao nosso carro, também muito abatida com tudo que havia acontecido. Pegamos o carro e fomos para uma cidade vizinha onde passamos a semana seguinte, Com esperanças de esquecermos um pouco daquelas cenas tristes e imensamente desagradáveis. Ao regressarmos para casa, já nos encontrávamos bem melhor e conversávamos alegremente durante a viagem sobre o destino que tomaríamos, pois já havíamos marcado nosso casamento para o final daquele mesmo ano que estava prestes a findar.

Quando chegamos a casa, encontramos nossos jardins repletos das mais variadas flores, com seus perfumes agradáveis, a nos entorpecer, pois a primavera encontrava se plena e vigorosa, com inúmeras borboletas e pássaros das mais variadas cores e espécies há habitarem os canteiros de nossos jardins totalmente revitalizados com a nova estação das flores.

Nova Serrana (MG), 21 de novembro de 2006.

Tadeu Lobo
Enviado por Tadeu Lobo em 08/10/2017
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