O terno de casimira

- Um terno de casimira? Naturalmente!

A vendedora levou Sandra até onde estavam as araras com ternos de várias tonalidades pendurados. Ela passou as mãos por algumas peças, sentindo a maciez do tecido. Finalmente, decidiu-se por um modelo sóbrio, cinza-escuro. Pediu calças condizentes, uma camisa de mangas compridas de linho branco, gravata azul-clara, meias pretas.

- Somente uma peça de cada? - Indagou a vendedora, colocando os itens solicitados sobre o balcão da loja.

- Sim. O enterro vai ser amanhã.

A vendedora olhou para a mão esquerda de Sandra: uma aliança grossa, lisa, de ouro.

- Entendo. O seu marido vai comparecer a um enterro...

- É ele quem vai ser enterrado - atalhou Sandra.

- Perdão - disse a vendedora, baixando a cabeça. - Não quis ser indelicada...

Sandra deu-lhe um sorriso triste.

- Você não foi indelicada. Realmente, não é comum alguém comprar roupas novas para um defunto. Mas, conhecendo o meu marido como conheci, ele gostaria de estar apresentável em seu último compromisso. Assim sendo...

Puxou o celular da bolsa e passou o dedo na tela até achar uma foto. Exibiu-a para a vendedora.

- Este é... era ele. Foi tirada dois meses atrás, na última viagem que fizemos à Atlanta.

A vendedora olhou para a foto. Nela, estavam Sandra e o falecido, vestidos de modo elegante num saguão de aeroporto. Sandra aparentava não ter mais de trinta anos. O marido seguramente teria uns bons 50 anos mais. Sandra percebeu o olhar de incredulidade e riu.

- Imagino o que deve estar pensando! É verdade... ele tinha idade para ser não meu pai, mas meu avô.

- Não é nada incomum... - começou a falar a vendedora, sem jeito.

- Creio que hoje em dia é bastante incomum, sim - interrompeu-a Sandra. - Mas este homem... meu marido... praticamente salvou a minha vida, dez anos atrás. Quando precisou de mim, eu lhe dei a única coisa que estava ao meu alcance para ajudá-lo: a cidadania, através do casamento. Isso evitou que ele fosse deportado, mesmo residindo no país há mais de vinte anos.

A vendedora ajeitou as peças de roupa sobre o balcão.

- Entendo... as novas leis de imigração... a sua atitude foi muito corajosa.

Sandra sorriu.

- Não foi um sacrifício, ele era um homem educado e gentil. E tivemos dois filhos.

Exibiu as fotos das crianças no celular. Em seguida, guardou o aparelho na bolsa.

- Portanto, nada mais justo do que render-lhe esta última homenagem - concluiu Sandra.

A vendedora aquiesceu.

- Ele certamente apreciaria o seu gesto, senhora.

Sandra balançou a cabeça, em concordância.

- Oh, ele adorava ternos de casimira...

- [07-10-2017]