A MELHOR CURA É O AMOR
Joana sempre fora muito criativa, vivera grande parte da sua existência imaginando-se uma heroína dos romances de Emily Bronté ou de Jane Eyre, experimentando intensos amores, plenos de doçura e fantasia. "Vivia" em bailes cheios de luz e de cor, julgava-se dançando valsas com oficiais esbeltos, que a cortejavam e disputavam entre si a sua atenção, tal como na "belle epoque". As pessoas eram educadas e gentis, de posses e princípios, considerando-a sempre como uma delas. Joana vivia num paraíso de sonho, à margem da vida que conhecia, monótona e rotineira, na companhia de uma mãe chata e implicativa, que a invectivava por ter quase quarenta anos e ainda ser solteira.
Distraída com seus pensamentos, quase sempre se esquecia de algo em casa, antes de sair para o trabalho.
As colegas, que tal como ela também laboravam como escriturárias na companhia de seguros Aliance, conheciam-lhe o feitio, educado e gentil, apesar de tudo de trato doce com todos.
Em determinada altura Joana começou a ter outros sonhos, no mais recorrente caminhava ao longo de uma falésia, com os cabelos ao vento qual Elisabeth do livro "Orgulho e Preconceito". Invariavelmente acordava num estado misto de aflição e alívio, pois quando lhe parecia que iria escorregar para o precipício surgiam uns braços fortes que a seguravam e abraçavam. Então inspirava fundo e a respiração voltava ao normal.
Esses sonhos prolongaram-se por algum tempo e o rosto do salvador foi tomando feições. Começou a interrogar-se se não o conhecia, se na realidade já se teria cruzado com ele em algum lugar...
Mas tudo o que é bom acaba e esses sonhos sumiram, em vez deles apareceram insónias persistentes. Como andava com olheiras e sempre sonolenta, fruto de noites mal dormidas, algumas amigas insistiram com Joana para consultar um médico, de forma a encontrar solução para o seu problema.
Durante algum tempo resistiu à ideia mas acabou por seguir o conselho e então foi-lhe receitado um ansiolítico. As noites passaram a ser mais calmas até que se habituou a essa droga e as insónias voltaram.
Numa manhã em que distraidamente, cheia de sono, atravessava a rua, ia sendo colhida por um automóvel, valendo-lhe a intervenção de um homem, que perto de si, deu um salto e abraçando-a, a puxou para o lado, livrando-a do impacto. Aturdida, sentiu-se presa num forte amplexo. Olhou a cara do desconhecido e apesar de tremer com o susto, um arrepio agradável percorreu a sua coluna vertebral... Era ele, o mesmo do sonho...
Num misto de alegria e calor transmitido pelo abraço do homem, aqueceu rapidamente perante aqueles braços protectores e olhou-o com reconhecimento.
Ele perguntou-lhe se estava bem e Joana respondeu-lhe « Agora sim...». O homem convidou-a: « Venha beber algo quente ali na pastelaria. Está a tremer e decerto vai sentir-se mais confortável». Ela não respondeu, teve medo que a sinceridade a traísse. Então ele segurou-lhe o braço com delicadeza e em meia dúzia de passos entraram no estabelecimento.
Esse foi o primeiro encontro, acidental mas muito importante, o princípio de tudo. Daniel (era esse o nome dele) mostrou-se sempre gentil e atencioso com ela, maravilhando-a com pequenos pormenores que a surpreendiam pelo inusitado. Era arquiteto, vivia só e tinha casa própria, morando não muito longe dali.
A relação foi-se aprofundando e um dia Joana entregou-se-lhe embora com muito medo de depois ser abandonada; era essa a conclusão de tais acontecimentos, pois pelas palavras das suas amigas sabia que os homens acabavam por sumir depois da conquista.
Naquele estado de felicidade, que não sabia quanto tempo duraria, nunca mais teve insónias, adormecia abraçada a ele depois de se amarem.
Quis o destino que tudo corresse bem, Daniel tinha mesmo bom caráter e acabaram por viver juntos, tendo uma linda menina, a que deram de forma apropriada o nome de Anabela.