o vôo
A última vez que voei, não começou assim. Era uma levitação. A mão na qual eu segurava propunha isso. Me elevava. Me suspendia. E assim, fui ascendendo. O corpo não supunha a massa. O coração assumia a levitação e, tinha outros planos. Fui subindo, leve. Da levitação ao vôo deveria ser consequência. Estava seguro. Pensei na vontade de me lançar, de ir além. Porém, todo vôo está sujeito a vácuos, intempéries, depressões e, nessa inconstância, aquela mão na qual eu segurava, se soltou. E eu, que nem sabia levitar, perdi a estabilidade que acreditava.O vôo que não conhecia. A queda livre foi quase instantânea. Pavor. Rodopiava em direção ao solo. Então, num apego quase insano à sobrevivência, lembrei da minha asa. Uma, que tenho. Estava lá. No meu braço direito. Uma asa. Concentrei-me nela. Meu refúgio. Minha utopia. Minha metáfora. Minha salvação. E, em plena queda, minha asa, no meu braço direito, começou a crescer, tomar vida, foi crescendo, tomando meu braço. Era somente uma, no meu braço direito. Se formou como mágica ou credulidade, se movimentou. Bateu. Para cima e para baixo. Se agitou. E o que deveria ser queda certa, traduziu-se em pequena estabilidade. Eu até poderia pousar com alguma segurança. Mas, mesmo instável, e me projetando sem direção. Olhei para o chão. Preferi voar.