A CARTA.

Era o último dia do mês de novembro, fazia quatro anos que eu não via minha família, eu tinha acabado de me formar em filosofia na universidade redentorista que fica em Salamanca na Espanha, desde então não tive mais contato com meus familiares, a saudade havia apertado em meu peito, eu queria ver meus pais e meus irmãos, naquela época eu era apenas seminarista do colégio Legionários de Cristo, que fica localizado na cidade de Arujá, estar recluso em um seminário não era nada bom, uma vida cheia de sacrifícios, de muito

estudo e pouco tempo para diversão.

É a primeira vez que escrevo sobre minha vida, e o motivo que me impeliu a lhe enviar essa carta, foi por não aguentar mais guardar os meus segredos, me digam, quem nesta vida não tem segredos e desejos escondidos que nunca os revelou, não quero que conjecture pensamentos negativos a meu respeito meu amigo, mas quando eu lhe contar a minha verdade, perceberá o ser humano sofredor que havia por detrás daquela batina.

Caríssimo amigo, tudo começou há exatos doze anos atrás, na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo, sou o filho mais velho de três irmãos, a minha criação e a de meus irmãos foi muito rígida, nosso pai era militar, e como tal prezava pela disciplina e a ordem, essa era a sua palavra dentro de casa, disciplina e ordem, apesar de toda a sua austeridade éramos uma família feliz. No quintal da nossa casa morava tia Angelita, ela era viúva e tinha uma única filha, Azira, essa minha prima tinha a mesma idade que eu, como minha tia seguia o mesmo padrão militar de criação do meu pai, Azira era proibida de sair para brincar na rua pela minha tia, de sorte que, eu era a sua única opção de diversão, então, tudo o que fazíamos era juntos, e essa proximidade acabou por gerar em nossos corações inocentes sentimentos que iam além da amizade. No decorrer dos dias tudo começaria a complicar, a ideia de primos se gostarem não seria bem acolhida pelos padrões rigorosos de meu pai e nem os da minha tia. Como eu havia dito aquela aproximação trouxe intimidade, e a nossa intimidade por sua vez trouxe o amor, e esse amor. proibido fez de nós dois cúmplices de um segredo que ninguém sabia até então.

Lembro-me perfeitamente de nosso primeiro beijo, foi em um domingo na casa da minha tia, Azira estava sozinha no quarto, meus irmãos haviam saído, quando ela percebeu a oportunidade não perdeu tempo, me chamou até o quarto e sem muitas palavras beijou-me, eu também nutria o mesmo sentimento por ela, correspondi ao beijo, depois desse dia vieram os outros beijos, todos ocultos, todos no manto do mistério sem que ninguém percebesse ou desconfiasse.

Os dia foram passando e ficávamos mais apaixonados, ficava cada vez mais difícil esconder os sentimentos, disfarçar as emoções, mas dávamos o nosso jeito, dois anos se passaram e entramos na adolescência, nossos corpos infantis se transformaram; e os hormônios saltitava na pele, bastava um beijo, bastava um toque, para ficarmos inflamados, o medo nos impedia de passarmos dos limites, e de tomarmos atitudes mais ousadas. A cada novo ano a situação ficava mais insuportável, e aos poucos, os meus irmãos foram percebendo que havia algo de errado entre minha prima e eu. Meu desejo era casar com Azira, embora a ideia parecesse absurda, mesmo sabendo que os nossos pais nunca aprovariam, mesmo assim estávamos dispostos a tudo em nome de nosso amor. Nosso primeiro ato de loucura foi de se

entregar um ao outro, tentamos resistir, mas foi inútil, a nossa primeira vez, foi o momento mais sublime de nossas vidas, tudo foi muito bem planejado por Azira, ela era especialista

em planejamentos.

Como eu disse anteriormente, nós entregamos um ao outro, sem medo e sem reservas, se meu pai descobrisse aquilo, mandaria me prender, o risco de ser pego era alto, mas o nosso amor estava cego demais para enxergar o perigo e as consequências do que estávamos fazendo. A coisa começou a

ficar fora de controle, ela inventava mil situações e eu também só para nos vermos livres para amarmos um ao outro, isso aconteceu durante todo um ano.

Tudo tem uma consequência, todo ato tem seu peso, o nosso não foi diferente, no final daquele ano, em uma chuvosa tarde de sábado, Azira foi até minha casa, entrou em meu quarto com os olhos cheios de lágrimas, logo percebi que algo de errado tinha acontecido, então perguntei a ela o motivo do

choro:

- Estou grávida - Ela disse entre lágrimas.

- Não acredito, meu pai vai nos matar.

Ambos ficamos em desespero, por vários dias ficamos tentando imaginar uma forma de sair daquela situação sem muitos danos, embora os danos fossem inevitáveis, os dias foram passando, por precaução ficamos alguns dias sem nos vermos, com medo de que alguém descobrisse. Mas foi tudo em vão, minha tia descobriu a gravidez, meu pai quase enlouqueceu, queria saber a todo custo quem tinha engravidado a sua sombrinha, Azira manteve-se firme e nada falou a ninguém, foi neste momento que tivemos a ideia do seminário, sempre foi o desejo da minha mãe ter um filho padre, antes que eles descobrissem que eu era o pai daquela criança, achei melhor sair de cena por uns tempos. A princípio eu não ficaria muito tempo no seminário, somente o tempo de me graduar em filosofia, esse era o plano, após isso eu abandonaria o seminário, enquanto isso meu filho crescia em segurança na presença da mãe e do avô.

Como eu já havia dito antes, tudo isso aconteceu há doze anos, depois que me formei em filosofia e humanidades, tentei abandonar o seminário e contar toda a verdade, Azira me convenceu que era melhor esperar um pouco mais, no entanto vejo que o tempo é agora, mesmo porque o meu pai encontra-se idoso e doente, acabei por me formar em teologia também, sei que não é certo o que estou fazendo, mas me sinto na obrigação de fazê-lo. Perdoe-me todos os padres seminaristas e amigos, a todos quantos conheço, fique registrado nesta carta com sentidas palavras, o meu pedido de perdão, estou indo embora fazer o que há muito deveria ter feito, essa é a minha história, perdoe-me por não tê-la contado antes e por ter fugido.

De seu amigo de hoje e sempre.

Joanes.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 19/08/2017
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