Conto das terças-feiras - A menina da barraca

Gilberto Carvalho Pereira. Fortaleza, 1º de agosto de 2017.

Aryel trabalha junto ao avô Jeremias, ele vendendo coco na areia da praia e ela servindo aos fregueses da barraca de praia. O nome da moça resultou da junção dos nomes dos pais: Aryeh e Elza. Simpática, solícita, alta, apesar da pouca idade, quase 18 anos, pele cor de caramelo, devido ao sol escaldante que ela prazerosamente se expõe, cabelos loiros dourados, desalinhados e queimados do sol, olhos verdes, originário de um romance ligeiro entre sua mãe e um judeu inglês, que passava férias na cidade. A garota nunca o conheceu. Ela acha que ele nem sabe de sua existência.

Morando com os avós desde o nascimento, sua mãe, que também não conheceu, a deixou nessas condições logo depois do parto e se mandou no mundo. Sempre foi bem tratada no humilde lar de seu Jeremias, que a criou como filha. Tanto que o chama de pai Jerê. O avô se deliciava com os afagos e carinhos que a neta lhe presenteava a todo momento. Ela era tudo para ele e, mesmo já com certa idade, não media esforços para agradá-la. Só não fazia mais, dizia ele, porque o dinheiro que ganhava vendendo coco, era muito pouco, quase não dava para as primeiras necessidades da família; a neta, ele e a esposa. Ele esperava que quando Aryel crescesse um pouco mais, poderia ajudar nas despesas da casa, com o seu trabalho em uma barraca de praia. Eles moram do outro lado da rua que margeia as barracas, localizadas na orla marítima.

Aos 14 anos, já com desenvoltura de adulta, esculturalmente formada, mas sem instrução intelectual, pois pouco sabia ler, o avô a levou para trabalhar em uma barraca quase em frente à sua casa, na Praia do Futuro, em Fortaleza. Nos primeiros dias como faxineira, responsável por manter os banheiros femininos rigorosamente limpos. Saiu-se tão bem, pelo esforço, pontualidade e gentileza para com as clientes, que o dono da barraca a colocou para trabalhar no atendimento, servindo caranguejo, peixes diversos, cerveja, caipirinha e outras solicitações. Sua graça e beleza encantava a todos. Conhecia pelo nome os frequentadores mais assíduos. Eles se sentiam agradecidos por isso. Ela passava, mesmo sem se insinuar, e os homens cravavam os olhos nela. Algumas esposas, principalmente as frequentadoras de primeira viagem, não gostavam daquela situação. Mas ela se saia perfeitamente bem, não demonstrando que tinha percebido os olhares mais afoitos. Foi sempre assim, desde os 14 anos.

Certo sábado ela notou a presença de seis rapazes em duas mesas. Foi atendê-los um pouco constrangida, eles eram mais afoitos que os seus costumeiros clientes. Falavam alto, diziam piadas picantes e sempre pediam para ela se chegar à mesa, muitas vezes apenas para pedir informação, algumas das quais ela não sabia responder. Na verdade, era para tê-la mais próximo a eles. Dois ou três chegavam até a ser grosseiros, se excedendo nas brincadeiras. Ela se afastava de cabeça baixa, mas não demonstrava que estivesse zangada. Os rapazes não eram da cidade, dava para perceber pelo sotaque. Pareciam do Sul ou Sudeste, São Paulo(?), talvez! Eles haviam chegado em possantes motos e falavam do regresso próximo.

No domingo eles voltaram à barraca, ela fechou a cara, eles já ensaiavam novas brincadeiras, para terem a sua atenção. Eram belos rapazes, mas ela estava ali para trabalhar, pensou. O pai Jerê, vez por outra entrava no ambiente da barraca e olhava sério para ela. Ela compreendia o que aquele silêncio queria dizer. Afaste-se deles!

Um dos rapazes pediu para que os outros não mais molestassem a menina, que a deixassem trabalhar em paz. Todos se calaram, ela olhou para aquela figura elegante e atlética, sorriu agradecendo. A resposta foi leve aceno de mão, não percebível pelos outros. No fim da tarde, quando todos os clientes já se retiravam para o descanso do final do dia, os atraentes forasteiros também se preparavam para partir. O rapaz que havia recriminado os amigos, falou que iria mergulhar mais uma vez. Os outros não o acompanharam e se dirigiram para as suas respectivas motos. Pouco depois, lá fora, ouvia-se os roncos das caras motocicletas importadas. Sinal de opulência, riqueza. Alguns minutos depois não mais se ouviam os roncos ensurdecedores, tinham ido embora.

Na volta do mergulho, Hernandes, era o nome dele, encontrou Aryel recolhendo garrafas, copos, pratos e talheres, usados pelo grupo barulhento. Ela tomou um susto, pensava que ele tinha ido com o grupo. Constrangida, tentou se afastar dele. Hernandes falou que não precisava ter medo, ele não iria maltratá-la. Que ele só gostaria de trocar algumas palavras. O serviço já estava quase acabando, ela aquiesceu, colocou sobre a mesa o que estava segurando e encarou o seu inquisidor. Ele perguntou:

— Qual é o seu nome?

— Aryel, respondeu rapidamente, agora sem constrangimento.

— Quantos anos você tem?

Mais lacônica e mentindo, ela respondeu: — Vinte e um.

— Você é muito bonita, deveria estar a trabalhar em outro tipo de serviço. Eu gostaria de lhe oferecer um emprego, condizente com a sua beleza e porte, concluiu Hernandez.

— Por que eu iria aceitar um emprego de um estranho, que nem conhece a minha história? Ficaram a conversar por algum tempo, até que o pai Jerê aparecesse. Ela o apresentou ao rapaz. Apertaram-se as mãos e seu Jeremias se afastou. Parecia que estava dando permissão à neta para continuarem a conversa. O que aconteceu. Já completamente embevecida pela figura à sua frente, Aryel permitiu que ele se chegasse próximo a ela. A empatia foi recíproca. Amor à primeira vista, como se diz por aí.

Depois de muito conversarem, ele propôs que ela viajasse com ele no dia seguinte, de moto, para São Paulo. Ela novamente se assustou, e, depois de refeita, pediu para pensar, que ele aparecesse na praça próxima à barraca, logo mais à noite, ele teria a resposta. Sugestão aceita, aproximaram os rostos e ambos trocaram ligeiros beijos.

Na madrugada da segunda-feira Aryel, pé ante pé, passou por debaixo da rede do pai Jerê, abriu a porta e se dirigiu para a moto de Hernandes. Poucas coisas ela levava, um sapato fechado, uma sandália, duas ou três peças íntimas e mais nada, pois nada mais tinha que prestasse para uma viagem tão longa, mais de três mil quilômetros. Deixou um bilhete ao pai Jerê, pedindo perdão.

Pela manhã, seu Jeremias nem se assustou com a ausência da neta, fez que estava dormindo para que ela não desistisse. Ele sabia, na sua experiência de vida, que o rapaz era bom moço e a faria feliz. Que Deus iria protegê-la. Três meses depois os avós receberam carta de Aryel, contando que estava muito feliz. Hernandes era bom homem e bem de vida, iriam se casar no próximo mês. Ele mandaria duas passagens de avião, para os avós comparecerem ao casamento. E assim foi feito!

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 01/08/2017
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