Assim ou ...nem tanto. 102
A ida.
Era mentira que alguma borboleta pousasse nas flores secas da jarra da cómoda. Para a borboleta as flores não tinham nada do que a fazia procura-las e a cor que foi viva era agora um tom sujo de terra ou de pó, de desleixo. A água estava podre e quem tivesse o olfacto apurado, haveria de recordar, sentindo, o tempo gasto daquele todo que foi, para a alheada avó, a honra de um amor esquecido. - Não limpei porque a senhora queria ver a borboleta e ela esteve ali parada estes dias todos. Abri a janela e enxotei-a. Ela ia e voltava antes que tivesse tempo de fechar os reposteiros. - A verdade é que todos iam desistindo da avó e que ela, abandonada no leito, raramente arfava com mais força. Quando o avô trouxe as flores ela já nem sabia quem ele era mas sorriu antes de voltar a cabeça para a parede e adormecer. Davam-lhe água e chá por uma seringa e, em vez de comida, um suco de vegetais e frutas. Sem tempo nem paciência, só ao velho importava que comesse, que bebesse, que estivesse limpa. Era por isso que ainda queria viver. Esperava que ela fosse em breve porque já havia quem, na sua casa, achasse que estava doente e fraco para dar ordens ou fazê-las cumprir. Voltou no dia seguinte e sentiu que a mulher acabava de morrer. – Pronto, disse. Agora vou eu ao teu encontro. E injectou-se.
Edgardo Xavier.
Sintra, 26 de Julho de 2017.