Nunca mais ouvi Cazuza
Dia nublado, estranho. Acho que não me lembro do porquê de ter acordado meio azedo. Eu tinha um show importante naquela noite. Cantor de fora, cover do Cazuza aliás, promessa de bar lotado, e seria a minha primeira vez com aquela banda específica. Mas isso não era realmente o motivo. Eu repassava tudo isso em mente, enquanto esperava pela passagem de som, fumando um cigarro olhando para o profundo nada, tentando me situar em qual parte do dia era aquela, e porque ainda estava azedo.
Tudo ocorreu perfeita e naturalmente bem. Umas boas cervejas antes do show e tudo estava pronto. Foi tudo muito rápido. Na verdade, quase sempre é. Mas tenho vasta lembrança de fisionomias, emoções, flertes, sorrisos despretensiosos etc. Vistos do palco, às vezes, parecem mais verdadeiros do que são. Lembro-me de um casal que discutiu, de uma moça que segurou o choro em uma ou outra música e de ter visto um conhecido. E lembro-me dela. Trocamos uns olhares e outros durante o show, um ou outro sorriso. Nada demais. Mas era uma coisa quase magnética quando ela se aproximava do palco. Nem me preocupava em evitar de estar dando na cara. Quando o show acabou, ela tinha sumido. Eu estava cansado e extasiado, e ainda tinha que desmontar equipamento e dirigir até minha casa. Parecia mais cansativo do que parece agora.
Já me despedindo do cantor, ela reapareceu. Ainda radiante, com um belo sorriso no rosto. Não sei dizer como a conversa começou, mas ela acabou tirando uma foto minha com o cantor, e acabamos trocando telefones, uma meia dúzia das perguntas usuais dos encontros comuns de quem se esbarra na noite, e nos despedimos com um beijo rápido. Dali mesmo fui pra casa. O dia tinha sido longo, acendi um cigarro, liguei o carro e parti.
Durante a semana, marcamos de nos encontrar. Ela parecia uma garota, com tantos sorrisos, e as coisas seguiam uma certa naturalidade, mesmo sendo a segunda vez que nos víamos. É interessante quando se encontra alguém aparentemente despretensioso sobre encontros. Podia ter sido aquele bar, ou qualquer outro. Uma calçada quem sabe, com um bom maço de cigarros e uma grade de cerveja bem gelada. As conversas, risos, olhares, aconteceriam da mesma forma que aconteceu.
Os dias que seguiram foram intensos. Passamos a nos ver constantemente. Ela foi aos shows de todas as bandas que eu toco. Conheceu meus amigos, minha mãe, meus pássaros, minha rotina toda. Eu até conheci os poucos amigos que ela tinha aqui, mas não me importava com isso. Eu queria apenas ela. Nossos encontros eram cada vez mais frequentes e mais intensos. Era difícil que passássemos mais de duas horas sem falar. Todo aquele medo que se cria depois de anos solteiro, e de todas as experiências amorosas ruins que tive, foi se desfazendo aos poucos, e logo eu estava totalmente entregue àquela paixão, (Não consegui achar outra palavra menos forte que definisse isso. Na verdade, nem me preocupei de encontrar).
- Acho que estamos encrencados.
- Eu também acho isso – ela sempre respondia com um enorme sorriso.
Tínhamos rotinas diferentes, planos diferentes, vontades diferentes, que pareciam não fazer diferença nenhuma enquanto estávamos juntos. Tudo era bastante bom e simples, e não parecia faltar mais nada. Por mera coincidência, passamos o dia dos namorados juntos. E quando completou um mês da data que nos conhecemos, comemoramos de forma singela. Ela tolerava o meu roncar durante o sono, e eu até ouvia sertanejo com ela.
Dizem por aí que, quando se baixa a guarda, pode ser arriscado. Eu me lembrava dessa frase quando estava sozinho, mas não dava confiança para minha mente. Achava que eram meros resquícios de todo medo que eu havia sentido. Não houve um belo dia em que ela disse que não queria mais. Não houve uma discussão que acabasse com tudo. Não houve “traição”, pelo menos não por mim.
Ela se foi e não olhou pra trás. E é claro que dói. Sempre dói. E eu que a quis de todas as formas possíveis, menos uma. E hoje, é dessa única forma que eu a tenho: apenas uma lembrança.