Ajustado

Quando chegou ao restaurante, ela já estava sentada à uma mesa lateral, voltada para a rua. Uma figura mais jovem e mais frágil do que nas fotos que lhe havia mandado, o cabelo castanho, liso, preso num rabo de cavalo, vestida com um vestido puce acetinado sobre o qual pusera um casaco de lã cinza. Magra, traços finos. Parecia ansiosa.

Ele estava 10 minutos atrasado.

- Desculpe - principiou, parando ao lado da mesa dela.

Ela o olhou com surpresa, e depois com alívio, satisfação até. Ergueu-se e estendeu a mão. Ele a segurou, com delicadeza.

- Eu estava aqui decidindo se pedia alguma coisa para disfarçar - ela tinha uma voz de contralto, que causava um contraste com sua figura miúda. "Pequena, mas com voz grande", pensou. Sem soltar a mão dela, inclinou-se e beijou-a em cada face. Ela ficou imóvel, tensa no primeiro beijo, depois relaxou. Olhou-o nos olhos. Tinha olhos castanhos, pestanas longas. Um perfume floral, doce, lilás, encheu suas narinas.

- Devia ter consultado o mapa antes de sair de casa - desculpou-se. - Não costumo vir para esse lado da cidade.

Soltaram-se. Ela se sentou primeiro. Ele ocupou a cadeira em frente à ela. Um garçom aproximou-se, tablet na mão.

- Desejam pedir agora?

- Uma água com gás para o cavalheiro - disse ela. - E para mim, uma água tônica. Pedimos depois.

- Pois não. - O garçom anotou o pedido no tablet e retirou-se.

A sós novamente. O restaurante meio vazio, início de noite de sexta-feira. Um ambiente aconchegante de sombras marrons e tons de ouro velho. Concentraram-se um no outro, atentos.

- O seu nariz é meio pontudo - ele declarou, sorrindo.

- E você está um pouco acima do peso - retrucou ela, também sorrindo.

- E isso de não consultar o mapa antes de sair de casa... meu Deus! - Ela baixou a cabeça e cobriu a boca com a mão, o rabo de cavalo balançando com o riso. Ele também riu, inclinando-se para trás na cadeira, totalmente relaxado.

O garçom retornou, trazendo na bandeja uma água mineral e a água tônica. Colocou os copos sobre a mesa, serviu as bebidas, e saiu sem dizer palavra.

- Um brinde - convidou ela, erguendo o copo. - A nós.

- A nós.

Os copos tocaram-se brevemente. Tomaram um gole, sem desprender os olhos um do outro.

- Você é real - ele disse, finalmente.

- Você também - ela retrucou. - Quantos de nós ainda restarão?

Ele pousou o copo na mesa, umedeceu os lábios.

- Poucos. Segundo a agência matrimonial, não mais de uma centena em toda a cidade.

Sua atenção foi atraída por um outro casal que acabara de entrar no salão. Ambos eram mais altos e mais belos do que seres humanos convencionais, pele perfeita, olhos brilhantes, dentes perturbadoramente brancos. Sentaram-se numa mesa próxima e um garçom aproximou-se. Não houve nenhuma troca de palavras. O garçom apenas anotou algo em seu tablet e retirou-se, com uma vênia de cabeça.

- Nós, seres humanos de carne e osso, nos tornamos obsoletos. A busca pela perfeição irá nos extinguir como espécie - comentou em tom desapaixonado.

- Há beleza na imperfeição - respondeu ela simplesmente, estendendo as mãos para ele sobre a mesa.

- [20-07-2017]