Pra te ver
Se tiver a opção, vou preferir não fazer. Até gosto de cozinhar, de fazer alguns pratos. Mas, tem um detalhe que me irrita; é um tempo perdido. Quando estou cozinhando não consigo sequer ouvir rádio. Por isso gosto desse lugar. Antes das 7h já estão abertos, servem café, lanches e refeições e só fecham ao final da noite.
Bom, ao menos era assim que eu me sentia antes de eles contratarem essa garçonete. Agora, toda vez que faço um pedido fico na expectativa; e é sempre ela quem sai da cozinha, segurando a bandeja na mão esquerda e com um bloco de notas e uma caneta no bolso do avental. Ela pede licença antes de colocar os pratos na mesa e quando está com as mãos livres, leva a caneta até o bloco para verificar o que foi entregue. Antes de sair, sorri, e pergunta se quero mais alguma coisa. Sempre que ela vem, meu rosto fica ruborizado. E tem sido assim, três vezes por dia desde quando ela chegou.
Naquele dia, não estava prestando muita atenção no ambiente, alguma coisa me incomodava, provavelmente ligada à academia. Estava no meu horário de almoço. O garçom que sempre me atendia era um senhor de pouco mais de quarenta anos, já com várias rugas e alguns cabelos grisalhos. Quando ela veio, estava digitando.
Senti que os pratos haviam pousado na mesa com mais delicadeza do que o habitual, no entanto só tirei os olhos do notebook quando ela falou. Perguntou se o pedido estava correto. Foi um pequeno susto. Acenei afirmativamente; ela sorriu e correu para atender outra mesa. De início a única surpresa foi a ausência de meu garçom habitual. Mas depois, fiquei pensando sobre aquela garota.
Havia visto seu rosto apenas de relance, mas foi um momento marcante. Durante a noite, quando voltei, observei-a melhor. Deliberadamente, fiz um pedido extenso, para que ela ficasse bastante tempo na minha mesa. Ela tem pouco mais de 1,70 m. Não chega a ser musculosa ou gorda, mas é bem encorpada. Curvas gentis. Os seios e quadril são igualmente generosos. Seu cabelo é castanho claro. Apesar do rabo-de-cavalo ligeiramente longo, mantinha-o, o cabelo, cortado nos lados e na franja. Seu rosto é jovial, pueril. Os olhos castanhos, o queixo ligeiramente quadrado, o nariz arredondado e seus lábios; tudo delicado e em consonância.
Ela é linda. Linda! Ainda assim, uma beleza um tanto quanto comum. Mas foi o suficiente para mudar o motivo que me levava ao restaurante. Passei a ir para vê-la.
Conversamos algumas vezes, a típica conversa superficial entre cliente e vendedor. Semanas passaram e eu ainda não sabia o porquê dela me encantar tanto. Só fui perceber pensando sobre aquele sorriso. O sorriso; idêntico ao das outras.
Não aquelas por quem me apaixonei. Me lembrava das duas que amei de verdade; as que mais me machucaram. Toda vez que olhava pra ela, voltava no tempo. Sete anos, quando conheci a primeira que amei de verdade. Revejo todas as conversas que tivemos, nossas discussões infindáveis de Mario VS Sonic que acabavam em risos. Me lembro da maneira que ela me abraçava com muito mais força do que eu conseguia.
Volto tambem para o ano passado, a segunda decepção. Lembro do beijo no andar de baixo dO Cortiço, das sardas do rosto dela que só fui ver no dia seguinte porque não havia luz suficiente. Me lembro de como me afeiçoei a ela, apesar de ter durado muito pouco.
E me lembro do final. Dos desfechos; elas indo embora. As duas me abandonando. E agora tudo volta. Por causa de um sorriso de um sorriso encantador e com covinhas. Voltam lágrimas e sorrisos.
Acho que mais uma vez vou me machucar por causa deste sorriso...