SAN MICHEL, LA DERNIÈRE ROUTE DE LA VILLE
Lia seguia chorando enquanto o ônibus seguia estrada afora rumo ao aeroporto. Pobre Lia, pensava ela. Tão tola, acreditara na figura de um estranho em uma foto. Agora, depois de cruzar o oceano para fazer uma surpresa, sabia: ele nunca existira. A cidadezinha, aquela que ele descrevera como a última da estrada também não havia. Pobre Lia. E ele mentia tão bem quando descrevia a plaqueta art nauveau amarelecida em que se lia “San Michel”. Pobre Lia. Não havia a última cidade da estrada, nem o bonitão da cabine de pedágio. Ele não existia. Pobre Lia. Não sabia se sofria pela inexistência dele ou pela ausência da cidade que aprendera a amar. Mais um solavanco, um solavanco a mais, estaria num voo de volta para casa. Na próxima parada. Sua vida sempre estivera na próxima parada, que curiosamente, nunca chegara. Na próxima parada desceria e lavaria o rosto, ajeitaria o cabelo e passaria um batom. Assim fez. Fez assim: cruzou cabisbaixa o corredor, não olhou para os lados, entrou no banheiro e chorou. Um mundo de lágrimas verteu de seus olhos. Num soluço incontido, retocou o batom, prendeu o cabelo, respirou fundo, levantou a cabeça e se viu. Tinha vergonha de si. Com voz lânguida, a moça do áudio anunciou: “Dernier appel: nous partons de San Michel” Seu corpo entorpeceu por um segundo. Fora isso mesmo o que ouviu? Caminhou passos lentos até a porta e olhou em volta; viu bem lá atrás uma placa amarelecida em que se lia: “San Michel, la dernière route de la ville”. Seu coração saltou e Lia saiu desnorteada, procurando algum pedágio. Num francês capenga conseguiu dizer algo como “très beau”. A atendente surpresa apontou adiante um belo rapaz que assentia com a cabeça sorrindo e parecia entender tudo o que Lia sentia. A próxima parada chegara para Lia, enfim.