Porta-retrato
Há um tempo sentei com a minha avó e escutei sua história de amor. Ela me disse que amava a mesma pessoa há 40 anos e me pediu ajuda para conseguir encontrá-lo pela Internet.
- "Nossa vó, a senhora ainda ama a mesma pessoa há 40 anos, mesmo com todo esse tempo sem vê-lo?"
- "O amor é assim. Quando amamos alguém, não importa se passaram-se 40 segundos ou 40 anos. Ele pode ser o homem mais feio do mundo, mas se eu vê-lo agora na minha frente, pra mim é o mais lindo de todos".
Há alguns dias me vi sentada com alguns amigos em uma praça qualquer. Ao dar uma volta, encontrei alguém sentado em um banco afastado. Ao me aproximar, reconheci alguém que há muito tempo havia amado.
Pensei em recuar e voltar para a roda de amigos, mas ele já havia me visto. O coração bateu mais forte e as lembranças de alguns anos atrás voltaram à minha mente.
Ele afastou-se e escondeu algo, tentando parecer sóbrio, mas eu já sabia que há um bom tempo ele usava.
- "Oi, tudo bem?"
- "Oi, tudo".
Por uma fração de segundos pude jurar que seu olhar me dizia o mesmo que eu pensava: nostalgia. E por outra fração de segundos, seu olhar também me dizia que eu havia mudado, e então nossos olhares se estranhavam.
Evitei por aqueles poucos minutos entrar em contato direto com o olhar dele, mesmo querendo descobrir o que se passava por trás daquilo tudo.
Apesar das inúmeras tentativas de reestabelecer contato com ele nesses poucos anos e da curiosidade de saber como ele está, as tentativas foram falhas. Demorei pra entender que algumas histórias não devem ser continuadas, mas sim escritas e guardadas em uma caixa de madeira dentro da nossa mente. Algumas histórias não possuem finais felizes e explicados, apenas congelam como um porta-retrato velho e feliz, que você olha e se lembra de como era bom e infinito enquanto durou. E será infinito enquanto permaneça como um livro já escrito, onde a qualquer momento posso abrir e ler novamente. Pergunto-me se minha avó sentirá o mesmo.